Este tema é bastante controvertido e, talvez, um dos menos compreendidos dentro do Budismo.
Como eu já tive oportunidade de dizer a vocês, segundo o ensinamento de Nagarjuna e do Mestre Tient’ai, os seis reinos estão contidos em cada pensamento, estamos atravessando os seis reinos aqui e agora…Não há uma realidade apartada da mente presente e, ao mesmo tempo, não há uma “outra mente” que não seja esta mente, desta vida, neste corpo.
Quando as escrituras budistas falam em “renascimento” (punarbhava), elas estão se referindo aos estados mentais que atravessamos nessa vida presente, não estão dizendo que quando morrermos vai sobrar algo que vai nascer biologicamente como animal, fantasma faminto ou deus.
O grande problema é que os sutras foram escritos em uma linguagem altamente simbólica e a terminologia aplicada é extremamente sutil.
Há uma história que fala sobre uma senhora chamada Dai-I que dava esmolas aos monges. Os monges apreciavam tanto suas doações que faziam tudo o que a agradava. Então, a história diz que os monges renasceram como “escravas portadoras de palanquim” enquanto a senhora Dai-I renasceu como uma rainha.
Entendam: Não é que Dai-I morreu biologicamente e nasceu num palácio, como rainha…O que a história quer dizer é que ela se habituou a ter os monges que sempre a cercavam de tal forma, que os tratava como se ela fosse uma rainha e os monges, sempre desejosos de uma doação, agiam como portadoras de palaquim, fazendo todas as vontades de sua senhora.
Da mesma forma, se formos ler os textos das Jatakas, vamos nos deparar com variados relatos de vidas passadas do Buda.
Buda, nesses contos, diz que era uma lebre (a lebre é símbolo de pensamento rápido) ou era um elefante (símbolo de poder e majestade), que foi um rei, um príncipe ou muitos outros personagens.
Isso não quer dizer que o príncipe Siddhartha nasceu biologicamente como um elefante, com tromba etc. Nem que havia lebres com vida social que falavam e que Siddhartha teria renascido como uma delas.
As Jatakas usam estes símbolos para representar determinados estados da mente, determinados momentos da vida. São representações da realidade interior dos seres humanos.
Se lermos o Buddhacarita ou o Lalitavistara-sutra, encontraremos relatos sobre a vida de Buda antes dele se manifestar como humano.
Esses textos falam do “Céu de Tushita” e, sem compreender o significado sânscrito de “Tushita”, é impossível captar a mensagem desses textos.
O Lalitavistara-sutra fala que o Bodhisattva estava aguardando em Tushita e que lá ele decidiu renascer pela última vez.
“Tushita” quer dizer “aprazível”, “deleitoso” e “auspicioso”. Alguns comentaristas dos sutras dizem que Tushita representa o encadeamento de fatos auspiciosos e aprazíveis que dão ensejo ao despertar de uma pessoa para o Caminho da Iluminacão. Também se diz que o Buda Maitreya está em Tushita. Quem é o Buda Maitreya? Onde está o Buda Maitreya? Está dentro de nossa mente. Todos nós somos o Buda Maitreya em potencial.
Em outras palavras, os Budas se manifestam no mundo através de um encadeamento de fatos auspiciosos, deleitosos, frutuosos. O “céu” é um símbolo de possibilidades infinitas que regem os fenômenos que compoem a realidade.
O “céu de Tushita” é nossa mente. Nossa mente tem possibilidades infinitas e nós temos a mesma natureza de Sakyamuni e de todos os Budas. No entanto, para que essa potencialidade se transforme em um fato, é necessário que nós decidamos “renascer pela última vez”, ou seja, que estejamos resolutos a nos tornarmos Budas aqui e agora, não permitindo mais que nossa mente seja jogada nos seis mundos samsáricos o tempo todo.
Cada vez que saímos de um estado mental e passamos a outro, morremos e renascemos no samsara. Um Buda não renasce mais, pois mesmo que atravesse os mundos samsáricos, nunca abandona o estado humano de existência.
À partir do momento que decidimos “renascer pela última vez”, e isso só se consegue através de fatos muito auspiciosos (Tushita) como encontrar o correto Dharma, entendê-lo e praticá-lo, então, nos manifestamos como Bodhisattvas no Caminho da Iluminação (descemos do Céu de Tushita, como aconteceu com Sakyamuni).
Muitas pessoas dizem que estes ensinamentos são muito difíceis e que as pessoas não conseguem compreendê-los dessa forma.
Ora, Buda não disse que seus ensinamentos eram para todas as pessoas. Disse que cada pessoa absorveria seus ensinamentos de acordo com a própria capacidade:
“O Tathagata ensina apenas os Arya (nobres), ... não os puthujjana (pessoas vulgares)" [Majjhima Nikaya 2]”
O Sutra do Lótus adverte seriamente em relação a este ponto:
“Tu não deves pregá-lo nem entre os arrogantes nem entre os orgulhosos nem aos que não praticaram a disciplina, pois os néscios, comprazendo-se sempre nos prazeres sensuais, ignorantes, recusariam o Dharma que lhes fosse ensinado” (Cap. III, 111)
“Por isso, sabendo tudo isto, eu te ordeno ó Shariputra: não pregarás este tão excelso Sutra diante de um homem mergulhado na ignorância “ (Cap.III, 136)
É claro que é muito mais fácil tomar os sutras literalmente, imaginando que existem outras “dimensões” onde os seres renascem e morrem de acordo com seu “karma” passado, mas isso é defender a permanência de uma “essência” que guarda traços da personalidade.
“Karma” é simplesmente uma “ação”. Se eu planto uma semente de manga e existem causas e condições adequadas, nasce uma mangueira. Isso é karma. Se eu jogo um vaso pela janela, e nada impedir seu trajeto, ele se quebra no chão alguns momentos depois. Todas as nossas ações produzem resultado, mesmo depois que morremos. Isso não quer dizer que nós , nossa personalidade ou nossa consciência continuem depois da morte.
Se eu fundo uma escola onde centenas de pessoas podem estudar e aprender e, mesmo depois de minha morte essa escola continua ajudando às pessoas, o karma que plantei continua frutificando após minha morte. Se eu jogo uma bomba radioativa em um lugar e, um século depois, continuam nascendo pessoas com anomalias e deficiências devido à radiação, então, o karma ainda está ali, dando seus resultados.
Existem vários tipos de karma classificados pela literatura Abhidhármica, mas, o que importa é saber que o “karma” não é algo mágico, que fica boiando em algum lugar do espaço esperando para que a pessoa morra e ele “castigue” ou “beneficie” alguém.
Dito tudo isso, precisamos compreender que, quando os sutras falam da “vacuidade” de todos os fenômenos e “aquilo que não é o eu” (anatman) estão se referindo a tudo o que é condicionado, transitório e desprovido de uma essência.
Nossos seres são condicionados. Tudo o que chamamos “eu” ou “meu” são, na verdade, agregados de elementos, condicionados por fenômenos, limitados por nossa percepção sensorial, etc.
Sendo assim, o que poderia “sobrar” para renascer sob outras formas? O que permanece do ser humano após a morte?
Alguns dizem que a “consciência” é o que “transmigra” para outros reinos. Ou seja, existiriam bilhões de consciências individuais, separadas do todo, condicionadas, que transmigram como se fossem um tipo de “sombra” ou “fantasma” do eu-ilusório. E mais, haveria um tipo de “contabilidade” nesse tipo de “mundo fantasmagórico” onde a consciência seria direcionada para que renasça em um dos seis reinos samsáricos.
A pessoa morre e a “consciência” sairia voando, boiando e seria “direcionada” pelas ações do corpo, da fala e da mente para seu próximo “renascimento”.
Essa visão é dualista.
Primeiro porque separa o ser humano em matéria e consciência, como se pudesse haver consciência separada da matéria e como se o corpo fosse algo “inferior” a essa consciência. Ou seja, o corpo apodrece no cemitério ou é consumido pelas chamas, enquanto a “consciência” permanece e transmigra para outro tipo de existência. Segundo porque, para que cada consciência siga um tipo de “trajeto individual” (enquanto um renasce no inferno, outro renasce como animal e um terceiro renasce como deus) haveria, necessariamente, a separação entre a realidade como um todo e as consciências individuais. Se a consciência é diversa do todo, nunca se unirá plenamente ao todo pois suas naturezas são diferentes…
Ora, se os sutras afirmam que todos os seres e que todo o Universo têm a mesma natureza, ou seja, a Natureza Búdica (Tathagathagarbha), então como podem os seres terem, cada um, um tipo de “trajetória própria” que é separada do resto da realidade?
Essas idéias entraram no budismo popular através do contato que os budistas tiveram com o dualismo maniqueísta. Aliás, o que sobrou hoje no mundo de formalmente maniqueísta está no taoísmo e em certas formas de budismo chinês.
Ci Ren Xian Weng - 慈仁仙翁 - Uma divindade Persa (a Pérsia é o local onde nasceu o Maniqueísmo), em um templo "misto" budista-taoísta. Note o cabelo ruivo...Há até um "Moni Guang Fo Jiao" (Compêndio de ensinamentos de Mani, o Buda da Luz), onde figuram passagens de diversos sutras budistas, escrituras taoístas e doutrinas maniqueístas sintetizadas. Lao-zi, Buda e Mani são chamados de "enviados da Luz" nesta obra datada de 731 da Era Comum.
Não é o objetivo dessa palestra entrar em tais detalhes históricos, então citamos apenas como base de referência futura para quem quiser se aprofundar no assunto.
O caso é que precisamos entender que consciência não é uma entidade mágica, ou algo parecido com alma. Não existe uma “consciência incorpórea”. Quando praticamos o Budismo, as práticas envolvem tanto as ações do corpo, quanto as palavras quanto os pensamentos.
Meu corpo, minha fala e minha mente estão envolvidos em Meditação, Moralidade e Sabedoria. Cada um desses pilares da prática budista são interdependentes, ou seja, não há como se praticar um “budismo mental” e um “budismo corporal”. Aquilo que é Iluminado pela experiência de Nirvana não é apenas a “mente” ou a “consciência”, mas o ser por inteiro. Daí o absurdo de se pensar em uma consciência separada do corpo que vai “transmigrando” e descartando corpos como se fossem roupas usadas.
Pensando em tudo isso, chegamos a um aparente paradoxo: - Se tudo na realidade é condicionado e desprovido de essência real, se vamos morrer e não há outra vida além dessa aqui mesmo, então o que é a Verdadeira Natureza da Realidade? O que é a Iluminação? E o que é a ilusão?
Eu acho que para responder essas perguntas, é mais fácil começar pela última: O que é a ilusão?
Existem dois tipos de ilusão que foram desmascarados por grandes sábios budistas. Essas modalidades de ilusão ganharam teóricos até entre os budistas antigos.
Um ramo dos “Shunyavadins” defendiam o extremo de que “nada existe” e que o mundo é apenas uma aparência . Ou seja, para esses shunyavadins não havia nada a ser alcançado e essa seria a suprema sabedoria. Essa visão nasceu com uma interpretação errônea do conceito de vacuidade.
Os “Vijñavadins-Yogacarins” diziam que a realidade e tudo o mais só existe na mente, ou seja, que o mundo é apenas uma projeção da mente. Parece bastante com a visão daquele filme “Matrix”.
Ambos, tantos os “Shunyavadins” quanto os “Vijñavadins-Yogacharins” eram considerados mahayanistas.
Por outro lado, haviam os hinayanistas Sarvastivadins. Eles se dividiam em dois ramos: Os “Vaibhasikas”, que afirmavam que a realidade pode ser percebida diretamente (vahya pratyaksha-vada), ou seja, pelos sentidos, como quem percebe uma barata correndo pelo banheiro; Os “Sautantrikas” que afirmavam que a realidade só pode ser inferida por meio de conceitos lógicos (vahya anumeya-vada), enumerações etc.
Nagarjuna demonstrou o erro de todas estas interpretações em seu tratado “Sobre a Interpretação do Mahayana” (Ch. Shih mo-ho-yen-lun; Jpn. Shaku makaenron), mais especificamente no fascículo 5, onde ele diz que a “realidade última da Iluminação só pode ser expressa como o “Advaita Mahayana” (Ch. pu-erh mo-ho-yen; Jpn. Funi makaen).
Nagarjuna denonstra que há dois níveis de “realidade”:
- A realidade “ontológica”, ou seja, aquilo que é captado pelos sentidos, que é sujeito às nossas inferências lógicas e às nossas interpretações (também condicionadas pelos sentidos), válidas como um mecanismo de interação com o que nos cerca;
-A Realidade Ôntica, ou seja, a verdadeira realidade, que está manifesta tanto no que é condicional quanto no incondicionado.
Desse ponto de vista, a realidade ontológica é maya. Isso não quer dizer que ela “não existe”, ou que os mecanismos da lógica e da fiabilidade dos discursos devam ser abandonados.
Nós somos limitados pelos nossos sentidos que, por sua vez, são condicionados, assim como nós, enquanto indivíduos ou personalidades (pudgala) somos condicionados. Sendo assim, nosso único meio fiável de interação com aquilo que nos cerca (que também é condicionado) é através da utilização de critérios empiricamente fiáveis e razoáveis.
Se meus sentidos me informam que estou na linha do trem, que há o ruído do apito do trem e que lá adiante vem o trem, não vou me colocar na linha de ferro para provar que o trem é uma “ilusão” e que nada vai acontecer. Se eu fizer isso, vou ser despedaçado pelo trem.
Da mesma forma, não vou dizer que uma cadeira é um bispo, pois meus sentidos estão me informando que aquilo é uma cadeira. Se abandono tais critérios de fiabilidade, abandono todo o contato com aquilo que me cerca e crio uma fantasia alternativa.
No entanto, devo saber que tudo o que me é informado pelos meus sentidos não tem uma “Realidade” no sentido de que sejam entes separados de todo o resto e que tenham uma “essência própria”, mas que são manifestações transitórias e vazias de essência (anatman/ anatta), condicionadas por uma cadeia infinita de causas e condições.
Além disso, minha própria capacidade de perceber essas causas e condições é limitada, uma vez que meus sentidos são condicionados e limitados por uma cadeia de condicionantes que influenciam diretamente aquilo que denomino “percepção da realidade”. Isso é o que o Budismo chama de “Shunya” ou “vacuidade”.
Então, o que é a Ilusão? Ilusão é não conseguir diferenciar o que seja “real” daquilo que é imposto como “real” por nossa percepção.
A ‘vacuidade’ é exatamente a ausência de essência real dos fenômenos percebidos. Tudo aquilo que chamamos de “isso”, “aquilo”, “este”, “aquele” ou que afirmamos que “é” ou que “não é”, na realidade, é apenas uma manifestação transitória de uma cadeia infinita de fenômenos causais e condicionais que, por sua vez, também são frutos de infinitas cadeias de fenômenos causais e condicionais, que, por fim, são conduzidos ao vazio essencial (no sentido aristotélico de essência).
Quando Buda emprega a palavra “anatman” ou “aquilo que não é atman”, é exatamente para definir a vacuidade de todos os fenômenos percebidos pela mente deludida, imersa em ‘maya’.
Buda não estava advogando o niilismo materialista, ou a idéia de que a vida não vale nada e que, portanto, o bom mesmo é a extinção total, como advogam os materialistas de toda espécie. Buda estava utilizando uma “via negativa”, de esvaziamento de conceitos, para demonstrar que aquilo que nossos sentidos comuns percebem não é a essência absoluta da Realidade ou a Verdadeira Realidade.
Aquilo que chamamos de “eu” é condicionado. “Eu” sou o fruto de uma imensa sobreposição de fatores. Aquilo que chamo ‘eu’ é, na verdade, a manifestação transitória de uma forma de vida. A vida se manifesta em todo o Universo. Vida, em sentido amplo, é a ação, é o dinamismo constante das forças, do movimento, da manifestação.
“Eu” sou apenas o fruto de uma cadeia ininterrupta de fenômenos, causas e condições que deram origem ao nascimento de um ser. Com o nascimento, outras cadeias de causa e efeito (karma) se iniciaram e cada uma dessas cadeias e cada um de seus pequenos elos, fazem parte daquilo que chamo “eu”.
Minha personalidade (pudgala) é condicionada por fatores genéticos, pelo meio em que vivi e vivo, pelo que comi e como, pela conformação de meu cérebro, pelo funcionamento de meu organismo, pelo atavismo, pela educação que recebi, enfim, por incontáveis fatores. No entanto, todos esses fatores são também condicionados, ou seja, nenhum deles tem uma essência separada, nenhum está, nem poderia subsistir, separado de todos os outros. Sozinhos, eles são irreais, vazios, desprovidos de substância. Sendo assim, aquilo que chamo de “personalidade” (pudgala) é vazia, irreal, transitória, efêmera, é “anatman”(ou seja, não é o “atman”).
Quando morremos, nossos agregados se desorganizam, deixam de formar um sistema coerente, se unem a outros sistemas. Os elementos de nosso corpo se decompõem, se unem a outras formas de vida, se tornam alimento, a água evapora, os ossos se transformam e se reagrupam a outros elementos, formando minerais, sofrendo transformações físico-químicas propiciadas pela temperatura, pela umidade etc. Enfim, tudo aquilo que chamamos de ‘eu’ não mais existe. Nada sobra. Não há “consciência” separada do cérebro, não há nenhuma “reencarnação”, nada há para “reencarnar”. Tudo é anatman.
Se as coisas são assim, então o que é a Verdadeira Natureza da Todos os Fenômenos e o que é a Natureza Búdica (Tathagathagarbha)?
A Vida do universo nunca pára. A extinção de uma vida é, na verdade, a mera extinção de uma pequena, efêmera e insignificante manifestação da Vida como um todo. O que se extingue é a forma, as sensações, as percepções, diferenciação e o conhecimento (formado pela nossa possibilidade de “interpretar” a realidade), mas aquilo que integra o Todo nunca se extingue, se reagrupa, retorna, se compõe novamente. Ainda que tudo se extingua, ainda que a Terra inteira desapareça, os eternos atos de criação, manutenção e destruição continuam, ininiterruptamente. Aquilo que é “nossa” vida, é a Vida do todo. Não há separação entre essa vida que está “dentro” de mim e a Grande Vida que pulsa em todo o Universo. A separação, a dualidade, só existe em minha mente deludida, que teima em classificar essa pequena manifestação a que chamamos de “eu” como um ente separado, com essência própria.
Aquilo que está “dentro” de mim, na verdade não está “dentro”, mas é apenas manifestação do que está em tudo, e do qual tudo é manifestação, do qual tudo é emanado e do qual essa pequena vida é manifestação. Isso é a Natureza Búdica de toda a Realidade, o Dharmakaya Todo-Penetrante (que é citado no Mahavairocana-Sutra), a própria essência de tudo.
Sendo bem compreendido este conceito, fica óbvio entender o que é a Iluminação:
Iluminação é a Identificação total entre o pequeno-eu, vazio de essência, condicionado, limitado etc., com a Natureza Búdica, incondicionada, ilimitada, onipresente e toda-penetrante.
Quando uma gota d’água retorna ao Grande Oceano, ela não é mais uma gota d’água mas se transforma em todo o Oceano.
O grande problema é que as pessoas preferem insistir no trajeto da gota d’água escorrendo pelo pires do que na compreensão da natureza infinita do Grande Oceano…
Em vários sutras, Buda indica que essa é a natureza da Iluminação:
"Attan é o cocheiro" - Gotama Buda [Jataka-2-1341]
"O Tathagata está acima de todas as impressões, ele permanece acima (de tudo) dentro da mente (citta). Lá dentro, Ananda, ele habita com Attan como sua Luz, com Attan como o seu refúgio e com nenhum outro como refúgio. " - [SN 5,154, 2,100 DN, SN 3,42, 3,58 DN, SN 5,163], Gautama Buda
"Attan é a verdadeira natureza de tudo (Svabhava)" [Mahavagga-Att. 3,270]
"Attan é o refúgio que eu encontrei, que é a Luz, que é o santuário, que é o objetivo final e o destino final. É imensurável, incomparável, o que eu realmente sou, um tesouro , é semelhante ao sopro da vida, aquilo que anima (a tudo)". [KN J-1441 Akkhakandam]
"Os Niilistas (natthiko) [aqueles que negam a realidade do Attan] irão para o inferno terrível" [SN 1,96], Gautama Buda
"Qual benefício existe para o Mestre Gotama? A única coisa que existe para o Tathagata é o fruto da emancipação e da iluminação. "[SN 5,73]
"Discípulos, este corpo deve ser visto como realmente é, e ele é apenas (o produto do) karma passado ." [SN 2,65]
"O Caminho Óctuplo Arya é o caminho para a imortalidade" [SN 5,8]
"O Tathagata, o Buda, é uma designação para " tornar-se-Brahman. "[DN 2,84]
"A mente bem centrada / vontade (citta) é o caminho para a realização de Brahman." [SN 4,118]
"Esta mente libertada (citta), é a imortalidade" [MN 2,265]
"Este (o Tathagata) disse: a mente liberada (citta), que não (mais) se apega, significa Nibbana" [MN2-Att. 4,68]
"Confirmado no Attan (thitattoti), quer dizer extremamente fixo dentro da mente / vontade (citta)” [Silakkhandhavagga-Att. 1,168]
"A forma, sensações, concepção, vontade ou a consciência (os cinco agregados), são vistos como sem permanência, como sofrimento, como doença, como uma praga, uma queimadura, uma picada, uma dor, uma aflição, como estrangeiros, como alteridade, como vazio (suññato), como aquilo que não é Attan (anattato). Assim, ele transforma sua mente (citta) e longe destes, ele a recolhe dentro do reino da imortalidade (amataya dhatuya). Esta é a tranquilidade suprema, o que é há de mais excelente! "[MN 1,436]
"Atingido Attan inabalável, a sua mente / vontade (citta) é calma, purificada de todo o mundo,( e assim) torna-se o imaculado Brahman" [SN 3,83],
"A purificação da nossa própria mente (citta), isto significa que a luz (JOTI) dentro de uma mente / vontade (citta) é o próprio Attan (attano)" [DN2-Att. 2,479]
"A purificação da nossa própria mente / vontade (citta), esta é a doutrina do Buda" [DN 2,49]
“O que é condicionado é sacrificado (consumido no fogo) ao incondicionado. Este é o significado de (da palavra) Jhana (i.e. samadhi)”. [Pati 1.70]
"O Senhor, o Buda, é Aquele (Brahman) que faz a roda de Brahman (Brahmacakka) mover-se (o “motor imóvel” Atman)". [Itivuttaka #123]
"A Alma é ter-se tornado Brahman". [MN 1.341]
“O Buda é um mestre do não-dualismo (advayavadin [i.e. Advaita])”. [Mahavyutpatti; 23: Divyavadaana. 95.13]
Quem consegue compreender as obras de Nagarjuna vê claramente o que ele queria dizer com “Madhyamaka”: Nem o caminho do niilismo, nem advogar a existência de uma “alma-personalidade” separada.
Outros sábios budistas, como Gaudapada (cuja doutrina ,mais tarde, seria incorporada por certos grupos hindus como parte de sua doutrina) em seu “Agama-Sutra”, reforçando aquilo que Nagarjuna escrevera, afirma “Brahman satyam jagat mithya” – Só Brahman tem realidade essencial, o mundo é desprovido de tal realidade.
Cabe observar aqui que não deve se confundir Brahman com “Brahma”
Muitos confundem “Brahman” com “Brahma”, mas os conceitos são completamente diferentes. “Brahma”, na mitologia védica é o criador do universo, uma das pessoas da “trindade” Indiana composta por Brahma, Vishnu e Rudra (outro nome de Shiva, que pode também ser chamado de “Maheshvara” ou outros nomes como Ishana, Ghora etc).
A palavra “Brahma” pode ser usada para caracterizar um sacerdote, uma vez que os atos rituais que ele executa são atos que repetem a criação de um tempo e espaço fora do tempo e espaço profanos, repetindo infinitamente o “tempo primordial”. Brahma é a pesonificação de toda potência criadora, assim como do próprio ato de criar em si. No entanto, é necessário lembrar que “criação” é condicionada a causas e condições que, por sua vez, estão ligadas às outras potencialidades representadas por Vishnu (conservação) e Shiva (destruição).
O ciclo representado por Brahma, Vishnu e Shiva é ininterrupto e inseparável.
O ato criador de Brahma só é possível através da potencialidade de conservação dos fenômenos representados por Vishnu que, por sua vez, só podem acontecer graças ao processo de destruição personificado por Shiva. Da mesma forma, a destruição representada por Shiva depende do poder de conservação representado por Vishnu e da potencialidade criadora personificada em Brahma. Tais conceitos foram conservados no Budismo por um longo tempo. Prova disso é que essas personificações chegaram ao Japão junto com o Budismo.
Brahma é “Bonten”, a leitura de “Fan-t’ien”, a transcrição chinesa de Brahma.
Vishnu é comumente referido como “Narayana” (um de seus nomes), lido como “Naraen”, também “Naraen Kongô”. Narayana é representado como um dos dois “Nioo”, aqueles guardiões poderosos colocados nas portas dos templos. Naraen, fica à direita (o outro é “Mishaku Kongô”).
Shiva é chamado de “Ishanaten”, transcrição da leitura chinesa “I-she-na-t’ien”.
Estamos usando a palavra “Brahman” vem da raiz “brh”, ou seja “para expandir”.
Brahman é a Realidade Última de todas as coisas que por sua vez, é UNA (não dual- advaya), ou seja, é a natureza real de tudo, tanto do condicionado, quanto do incondicionado.
Não há nada separado de Brahman, não existe uma realidade fora de Brahman e outra realidade dentro de Brahman. O que existe é “maya”, ou seja, a ilusão criada dentro de nossa interpretação da realidade que, em si mesma é vazia, e Brahman, a realidade toda penetrante.
Brahman e Tathagathagarbha são termos intercambiáveis, sinônimos que aparecem ao longo de toda a literature sagrada do Budismo.
Vocês acharam complicado? Mas Buda não disse que sua doutrina era fácil, pelo contrário, disse que era “profunda como o Oceano”.
Autor: Mestre Dharmananda
Pelo o que entendi todos os seres renascem somente conceitualmente através de um ciclo de causas e condições. Sendo assim, todos temos somente a presente vida e depois dela não há futuro nascimento biológico, não há nada. Então para que buscar a iluminação, felicidade e fim do sofrimento se seremos todos extintos sem deixar rastros de consciência?
ResponderExcluirSó valeria a pena busca a Iluminação, que consiste em uma vida feliz, honesta, de compaixão e preocupação com os demais seres somente se houvesse uma outra vida ou recompensa?
ExcluirNão entendo a sua lógica...
Você não entendeu minha questão. O ponto que eu quero chegar não é o fato de ter recompensa ou não. Mas sim, que é indiferente sendo assim, já que tanto o justo e o injusto tem o mesmo fim. Na verdade esse ponto de vista coloca o Darma e a iluminação como algo sem utilidade, já que se temos só essa vida então Gautama deveria tê-la aproveitado bem no palácio.
ExcluirDefina "aproveitar a vida". Seria viver de acordo com os desejos dos 5 sentidos?
ExcluirMatheus, para o Budismo a capacidade de reflexão sobre as próprias ações de forma que produzam resultados equilibrados e éticos é mais importante do que a alucinação de algum castigo ou recompensa imaginários. Se Sidarta ficasse no palácio "aproveitando a vida" não teria exposto o Caminho do Meio que é justamente a possibilidade de não cair no engodo do niilismo hedonista auto-destrutivo e nem esperar uma recompensa que nunca virá. Não existe ação (ou não-ação) isolada dos resultados. É a busca por uma vida ética e dotada de moralidade superior baseada na inteligência e capacidade de observação, investigação e percepção da realidade e não em medo ou esperança no vindouro.
Excluir"Com a pura sabedoria, como quando o Buda estava no mundo, os seres farão surgir uma mente pura. Da mesma forma, depois do Nirvana do Buda, sem apego ao vazio ou ao ser, desejarão a boa conduta e não surgirá neles cansaço nem aversão."
ResponderExcluirSutra dos Méritos de se Banhar o Buda
Meu nome é Sérgio. Conhecir os seus blogs budismo aristocrático e a roda da lei tem apenas duas semanas. Gostei bastante do que li neles. Conheci o budismo em 2001 e de lá pra cá, participei como ouvinte de dezenas de escolas. Confesso que fiquei meio perdido pois o que eu estava buscando era um budismo que eu havia lido nos livros e que na realidade diferem muito nas escolas que frequentei. Não me declaro budista mas sou um cara apaixonado pela filosofia budista. Minha duvida é a seguinte. No blog Roda da lei, encontrei links que explicam muito bem a filosofia budista e elas me abriram os olhos e a mente para algumas questões que sempre me deixaram confuso. Primeiro eu nunca tinha entendido as metáforas dos sutras. A minha dúvida é sobre o link que você explica muito bem sobre a não existência da reencarnação e o nascimento nos diversos mundos. Achei a explicação ótima mas ainda continuo com uma dúvida. Lá fala que temos um único nascimento biológico mas como entender, por exemplo, o nascimento de um Homossexual, transexual que na mais tenra idade apresenta condicionamento e inclinação homoafetiva. Muito deles relatam que não se sentem bem com o corpo que nasceram pois se sentem diferentes do mesmo. O que explicar de uma criança que nasce com o instinto assassino. Conheci um menino de apenas oito anos que havia colocado o próprio gato dentro do microondas e também tinha assassinado seu coelho. Outras crianças pelo contrário, demonstram amor e não seriam capazes de fazer nenhum mal a nenhum animal. Como explicar que alguns tem o nascimento em corpos belos e outros nascem com aparência feia. Outros tem a sorte de nascer ricos e outros nascem nas ruas. Outros nascem cegos. Tenho um sobrinho que nasceu com talento para desenho. Ele desenha super bem sem nunca ter feito nenhum curso de desenho. Tem outras pessoas que nascem com talento para música. A minha dúvida é o seguinte : tal como o plano material que tem o seu continuum no passado, assim , se você rastreia a nossa mente ou consciência presente para trás, para o passado, decorre que está seguindo a pista da origem da continuidade da mente. Um momento de mente é seguido de um momento anterior. Não se pode ter apenas uma mente em um único nascimento biológico pois a mesma tem o seu continuo antes mesmo do nascimento no plano físico. Então minha pergunta é : O budismo aceita que essa mesma mente já nasceu várias vezes ocupando diferente corpos em vidas anteriores? foi o que li em diferente livros budistas, se não existe outros nascimentos anteriores, como se explica todos os fatos que coloquei aqui? Entendo que o nascimento não inclui uma alma que vai de uma vida para outra. O seu blog enfatizou que os nascimentos ocorrem muitas vezes nessa vida presente. Isso eu entendi, mas muitos budistas afirmam que tem o renascimento depois da morte física do corpo e que a mente continua a nascer repetidas vezes, mesmo que essa mente não seja a alma ou identidade da pessoa prévia. Sei que gostei muito de conhecer seus blogs e por isso confio em uma resposta que possa aliviar essa minha dúvida.
ResponderExcluirEi Sergio, tudo bem?
ExcluirEntão, sendo bem resumido. Nós somos feitos de relações causais. Somos resultados de infinitas ações já realizadas antes de nós. A formação da mente, ou da consciência também é assim. Isso não significa que esta minha mente já existia, mas que os fatores que colaboraram na formação dela, sim. É isso que quer dizer quando se afirma nas escrituras que a conexão entre esta minha existência biológica e única e "existências anteriores" não é uma ligação através de uma alma ou ego fixo, mas sim do "karma". Da mesma forma, os karmas (ações) que damos início, vão influenciar em existências futuras. Ainda falando do nível biológico, quero dizer que indivíduos no futuro sofrerão e serão influenciados pelas ações que eu iniciei ou que foram iniciadas antes de mim, tanto num nível consciente quando num nível mais sutil. Cientificamente ainda se deve levar em consideração o atavismo, que é o ressurgimento de características antigas de uma família, às vezes adormecidas por gerações, até que, havendo causas suficientes, voltam a se manifestar. Veja:
“Monges, este corpo não lhes pertence, nem pertence a outros. Vocês devem vê-lo como karmas anteriores, formado por condições, nascido das volições, a base para as sensações.” (Samyutta Nikaya XII.37)
Infinitos fatores convergiram para que em dado momento o fenômeno Sérgio surgisse. É isso que são esses "karmas anteriores". Fatores físicos, psicológicos, o meio, tudo isso colaborou para que você surgisse dessa forma e não existe nada isoladamente que seja você separadamente. Você é formado pelos Cinco Agregados da existência (corporalidade, sensações, percepção, formações mentais e consciência) e nenhum deles depois da dissolução carrega alguma característica de permanência. Nenhum deles "é você" ou "contém você." Além disso, veja:
"... a consciência (mente) é insubstancial. Da mesma forma, as causas e condições para o surgimento da consciência são igualmente insubstanciais. Então como é possível que tal consciência, que surgiu de através de um processo que é insubstancial possuir substância?" (Samyutta Nikaya XXV, 141)
As "explicações" para a perpetuidade dos agregados depois da dissolução são sempre nebulosas, confusas, mágicas... um tipo de conversa que se você lançar um olhar realmente atento, verá que não fazem muito sentido.
Tudo que você é hoje deixará de ser objetivamente após a dissolução. Os elementos que te formam se separam e passarão a fazer parte de outras coisas. Mas veja, é importante perceber que o surgimento de uma consciência ou mente é um resultado desses fatores todos reunidos, assim, quando separados, não há mais consciência, pois ela necessita daquela configuração para se manifestar. A única coisa que vai permanecer serão os karmas que você gerou, suas ações que ainda vão ecoar por quanto tempo houver condições para tal.
Continuando a minha dúvida: o que seria então a mente que fica no bardo do renascimento ou do vir a ser depois da morte do corpo físico que logo depois entra novamente no fluxo do devir, do renascer novamente em um corpo físico. Muitos livros e textos budista afirmam a existência desse barbo.
ResponderExcluirEntão, você já reparou que aqui no blog a gente defende a ideia de que os renascimentos são um processo interno e inerentes a essa nossa única manifestação biológica. Sempre rola aqui no blog uma citação do Bodhidharma dizendo que os sutras são metáforas, recursos poéticos pra se falar de aspectos muito profundos da psicologia humana. Além dele, isso também aparece com outros filósofos como T'ien-t'ai, I-hsing, Nagarjuna, e por aí vai... eles escreveram comentários esclarecendo esses tipo de coisa, e depois de entender alguns termos e conceitos, alguns desses comentários não são assim tão difíceis de se ler. Dá pra arriscar.
ExcluirEu posso estar enganado, mas tenho a impressão de que esse tipo discurso e publicação, Bardo, fluxo do devir, tem algo a ver com o Budismo Tibetano, certo? O Budismo Tibetano, Sérgio, é algo pra ser analisado separadamente e por alguém que entenda muito do assunto. Não por mim. É (ou deveria ser) um tipo de Budismo extremamente intelectual e profundo, mas justamente aí é que mora o perigo. É oferecido às pessoas manuais complexos que exigem a compreensão PLENA de inúmeros conceitos, doutrinas, ideias e tudo é transformado em superstição barata e rezas mágicas que viciam a pessoa em um tipo de experiência atordoante, num êxtase que ao invés de guiar à Iluminação, afasta cada vez mais. O centro da prática se torna o ritual e a gente não pode esquecer que os ritos não possuem significado próprio (pois tudo é insubstancial, lembra?), ou por outro lado, transformam tudo numa religião insossa de livrecos de auto-ajuda. Então, meu caro, minha sugestão é que você leia com cautela e sempre passando os textos pelo crivo dos três Selos do Dharma, a Impermanência (nada nos fenômenos permanece), o Sofrimento (como nada permanece, não há nada que possa ser razão de felicidade real) e a Insubstancialidade (nada é dotado de realidade própria, essência, alma, ego, etc).
Sou eu novamente, o Sérgio. Tenho mais uma dúvida: se o ser humano morrer na ignorância ou ficar renascido em um dos reinos durante toda a sua existência, como a sua natureza de Buda será desperta? Ele não terá mais o corpo físico, e isso representa um ser que não obteve a realização. Morreu sem conhecer a verdadeira natureza da mente. Como se explica isso? Muitos irão despertar nessa existência física, mas muitos outro não. Temos exemplos dos que morrem com o uso de drogas, armas...Foi uma existência vazia e perdida para sempre, pois não terá outra oportunidade, pois se a mente deixa de existir também. Quando falo de mente, falo da mente extremamente sutil, aquela que muitos budista afirmam que trasmiga para um outro corpo físico.
ResponderExcluirPois é Sérgio, a verdade é que mesmo todos os seres vivos possuindo a natureza búdica, nem todos a manifestarão. Pense um pouco, nunca houve nem nunca haverá um momento em que não haja mais crimes, gente má, estúpida, mentirosa... e essa é justamente uma das razões de se ficar atento. Veja, é atribuída ao Buda a afirmação:
Excluir"Eu vejo outros seres que não estão livres da cobiça pelos prazeres sensuais sendo devorados pelo desejo pelos prazeres sensuais, queimando com a febre pelos desejos sensuais, se entregando aos prazeres sensuais, e eu não os invejo, nem sinto prazer nisso." (Majjhima Nikaya 75)
Isso quer dizer "que ele não tá nem aí?"
Não. Quer dizer que o Nobre está acima das convulsões do idealismo. A utopia de um mundo "perfeito" é falsa. A ideia de que alguém precisa necessariamente permanecer, retornar e "evoluir" te prende no eternalismo e te afasta do Meio. Cria através da ignorância, um desejo, e o desejo é o início do processo de vir-a-ser. O budista vive a vida real, Sérgio. Eu só posso fazer o que está no meu alcance. Infelizmente para tanta gente será uma existência vazia e perdida para sempre. Alguns sem culpa, outros por escolha. Por isso é tão importante a responsabilidade por nossas escolhas e ações, já que quando a gente entende que o eternalismo é um engano perigoso, a tendência mais forte é ir diretamente para o outro extremo, o niilismo, o hedonismo. Não posso mudar o quadro completo, mas posso gerar boas causas e virtudes duradouras que permaneçam e talvez modifiquem esse cenário futuramente. Mas também não posso esperar que isso aconteça. O budista faz o que deve ser feito, simplesmente porque deve ser feito. E por quem não teve chance ou decidiu que fosse assim conscientemente, repito as palavras do Tathagata: "não os invejo e nem sinto prazer nisso."
Sou eu novamente, O Sérgio. Muito obrigado de verdade por responder as minhas dúvidas. Confesso que depois de 14 anos após conhecer o budismo, as ideias centrais ficaram mais claras para mim. Nunca havia entendido o porquê de tantas metáforas nos sutras das escolas Terra Pura, budismo tibetano kagyu pende gyamtso, o zen, o budismo de Nitiren Daishonin. O engraçado é que em todos os cultos que frequentei nas mais variadas escolas budistas por anos, nos levam a crer que o Buda seria uma divindade, algo mais próximo de uma religião deificada, como na escola Terra Pura, onde o Buda Amida é quase uma aproximação de uma divindade. Os textos não são claros, levam a crê que o renascer na terra pura de Amida seria algo próximo ao céu do cristianismo. O engraçado é que os mesmos mestres dessas escolas em fóruns da internet afirmaram para mim que tudo que estão nos sutras e toda a demonstração de devoção são metáforas. Por que eles não dizem e esclarecem logo nos cultos tudo isso. Guardam a verdade, e deixam que os pobres mortais acreditem nos sutras ao pé da letra, com todas as alegorias e metáforas? Percebi que muitos que estavam na escola terra pura acreditavam em um renascimento em uma terra pura, uma terra metafísica, com seus corpos purificados. Mas seus mestres afirmam que eles não entenderam o que realmente significava o renascer em uma Terra pura. Mas os mesmos não esclarecem os sutras para o público que frequenta os templos. Outra coisa: Confesso que fiquei muito atordoado por começar a entender o budismo além metáforas, apesar que o budismo tibetano afirmar que tudo é uma metáfora, suas práticas e textos nos levam a crer em outra coisa. Falam em bardo, o devir, a continuação da mente pós morte. O livro tibetano do viver e do morrer do autor Sogyal Rinpoche fala em uma continuidade da mente sutil que passa de uma vida a outra. Li e reli várias vezes esse livro e fica bem claro que a mente continua sim. Então, tudo isso nos deixam confusos e perdidos. A minha tendência está indo diretamente para o outro extremo, o niilismo. E isso tem me deixado sem o chão. Ainda continuo em dúvida quanto a existência de seres tão cheio de luz, que nascem com talentos ocultos, dom para música, pintura, arte, outros que carregam tendências que parecem que vem de outras vidas. Como citei acima: A tendência e comportamento destrutivo, a inclinação homossexual. Essa toda diversidade parece nos levar a crer em uma existência anterior, de um estado de mente anterior. O Budismo Tibetano afirma que essa mente sutil é que carrega essas tendências de outras vidas que influenciam na vida presente.
ResponderExcluirPois é, Sérgio.
ExcluirFicam nesse eterno "é, mas não é, só que é" e ninguém chega e te dá uma resposta objetiva e clara. Passei muito por isso também. E isso acontece por duas razões:
1. Eles não sabem mesmo; ou
2. Quem sabe fica quietinho por pressão da instituição que quer o dinheiro de gente iludida e supersticiosa.
Veja as grandes igrejas evangélicas, por exemplo. Aquelas mesmo, aquelas que pedem dinheiro descaradamente, que tiram o encosto, que desencapetam a vida do sujeito e prometem que você vai ser abençoado (e que isso significa ganhar dinheiro e bens, óbvio)... Você acha que tem algo de Cristianismo verdadeiro nelas? Então qual a razão de ter gente indo lá? Ora, as pessoas são supersticiosas e a ilusão é confortável. A verdade é incômoda, por isso é tão fácil cair nos dois extremos e parece tão difícil seguir o Meio.
Note que os Budas e Bodhisattvas mitológicos como Dainichi, Amida ou Kannon, etc, são símbolos de estados mentais, eles são, digamos, "chaves" para uma compreensão de pontos muito profundos da mente humana. A Terra Pura e os Paraísos, como diz no texto acima, são a própria mente cultivada e apta a agir conforme a internalização daqueles aspectos... mas por que ninguém diz isso claramente? Por que a resposta é sempre "Ah, não tem alma, a mente não perdura, mas tem uma coisa assim sutil, mágica, que é tão difícil de entender que eu nem te conto... só um fodão é capaz... só os budas entendem..."
Mas o Buda não era um ser humano normal, Sérgio? Além disso, no Sutra do Lótus não explica claramente que todos somos budas? Ele não atingiu esse estado através do próprio esforço? Obviamente existem sim, conhecimentos muito profundos, difíceis de se entender, complexos... mas você já percebeu como eu te respondo claramente, sem rodeios, sem conversa fiada pseudo-esotérica? O fato é que, depois que você compreende alguns conceitos, os textos ficam super claros. Um tempo atrás eu fiz uma tradução e até comentei com Sandro como era interessante ler e entender. É possível, Sérgio. Quando alguém te disser que não é possível entender... ah, isso é uma baita mentira.
Sobre as inclinações de nascimento, eu até comentei numa das respostas anteriores que isso é bem explicável. Sobre a homossexualidade, isso é uma condição humana natural, e consequentemente explicável. Sobre essa e outras perspectivas da sexualidade humana como a transexualidade, por exemplo, você deveria procurar a literatura pertinente. Um bom dicionário de psiquiatria seria um início interessante. A gente não pode esquecer que os textos budistas não são tratados psiquiátricos. São uma abordagem, sim, profunda da mente humana através de investigação, mas um tipo de investigação que não pode ficar restrita apenas aos próprios textos religiosos. A compreensão da realidade não se confina apenas nos textos budistas. A gente tem que entender que um texto de dois mil anos relatando as influências que o meio exerce na mente humana, não leva em consideração o bombardeio midiático, por exemplo.
Sobre seu medo de cair no extremo niilista, tome um tempo para reflexão se vale a pena abandonar um extremo por outro. Acabei de publicar a parte quatro dessa série abaixo. É um assunto que tenho certeza que você já leu muitas e muitas vezes, mas talvez te auxilie. Esse link é da parte 4, mas no topo do texto tem os links pras 3 anteriores.
http://rodadalei.blogspot.it/2014/04/as-quatro-nobres-verdades-parte-4-final.html
Eu é que agradeço as perguntas. O blog tem mais de 1300 acessos mensais e praticamente nenhuma pergunta ou comentário.
Um abraço!
Sou eu novamente, o Sérgio. Muito obrigado pelas respostas. O que você pode me dizer a respeito desse link abaixo com um vídeo curto de uma palestra do Monge Zen, Genshô Sensei.
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=gb4mep9-0pc
Depois de ver o vídeo e ler diversos livros de outros mestres budistas, temos uma ideia de que existe uma consciência sutil que vai de uma vida a outra. A monja Thubten Chodron, em seu livro ''o que é budismo'' da editora nova era, afirma que a mente continua de uma vida a outra. O que o monge Genshô quis dizer com 'existe um depósito de consciência universal chamado "Alaya Vijnana" onde tudo está registrado, e isso faz algum sentido, porque o universo não tem como esquecer'' no link do vídeo que te passei? Faço repetidamente a mesma pergunta no seu blog nesse link porque os livros e mestres budistas apesar de afirmarem os três Selos do Dharma, dão margem a entender que exista a continuação da mente sutil. Isso realmente me deixa muito confuso. É tudo muito confuso. Não existe coerência nas escolas e nos ensinamentos.
Não vou apelar para sutras nem nada, vamos usar a boa e velha lógica:
ExcluirNão há nada de mágico dentro do cérebro, este é somente mais um dos órgãos do corpo que é sustentado biologicamente apenas.
Assim que as causas e condições biológicas do cérebro cessam, este deixa de funcionar e morre, cessando também a cognição do indivíduo.
Desta forma, pensar que há uma alminha ou algo que transcende à morte é nada mais, nada menos do que superstição infundada; uma crença na personalidade ou ilusão do eu. Não há um ente "eu" separado, somos resultados de um nó causal praticamente infinito, que leva em consideração características genéticas e experiência vividas e percebidas pela mente neste corpo ao longo da vida.
Ei Sandro, resolveu aparecer? hahaha
ExcluirSimples assim como Sandro descreveu, Sérgio. E eu já tô respondendo isso desde lá em cima.
O que eu tenho a dizer sobre isso eu já disse. Se eles estão dizendo que é uma coisa e depois dizem que é outra, ou não sabem do que estão falando ou são mentirosos. E isso é tão desconfortável de escrever quanto de ler. Sérgio, veja que enquanto você estiver preso a dúvidas especulativas e que não vão te levar a lugar objetivo nenhum, vai continuar se fazendo as mesmas perguntas sem perceber que a resposta já foi dada. Quer encontrar coerência? Transforme o Budismo em algo vivo, tire o Dharma dessa caixinha de curiosidades e bote em prática. Tome refúgio nas Três Joias, comece a seguir os Cinco Preceitos de leigo e você vai entender o que tá rolando.
Outra coisa: pare de se basear em vídeo de youtube, nesses livrecos modernos e mesmo nesse blog aqui... mestre pra mim é Nagarjuna, T'ien-t'ai, Vasubandhu... é neles que você tem que procurar resposta.
Boa noite, aqui é o Sérgio. Bom, obrigado de verdade pelas respostas. Confesso que depois de 14 anos nas mais diversas escolas budistas que frequentei, sem contar os livros que li, foi aqui, nesse blog, que tudo ficou claro. Obrigado por tornar a minha leitura dos sutras mais lúcida e clara. Se for possível, poste mais sobre a Terra pura, o surta do coração. Um abraço.
ExcluirDisponha. Mas não esqueça da prática. É só ela que confere sentido a todas essas perguntas e respostas.
ExcluirQuer um Tibetano? Se liga:
"Essa comparação com uma pessoa adoentada é extremamente importante, pois se você internalizar essa ideia, virão em seguida outras ideias. Todavia, se essa ideia não passa de palavras, tal pessoa não transformará em prática o significado das instruções para remover as aflições e terá apenas ouvido as instruções, tal como as pessoas adoentadas que procuram o médico. Se empenham a procurar o remédio prescrito, mas não o tomam e não se curam. De fato, como é dito no Sutra do Rei da Concentração:
Algumas pessoas estão doentes, seus corpos atormentados;
Por muitos anos, não conseguem sequer um alívio momentâneo.
Aflitos por sua doença por um tempo tão longo,
Buscam um médico para encontrar uma cura.
Procurando continuamente,
Ao fim encontram um médico com habilidade e conhecimento.
Tratando aos pacientes com compaixão,
O médico oferece o remédio dizendo: "Aqui está, tome este."
Esse remédio é abrangente, bom e eficaz.
Irá curar a doença; mas os pacientes não tomam.
Isso não é um erro do médico, nem do remédio
é um problema da parte daqueles que estão doentes.
(...)
E também:
Eu te expliquei tal ensinamento verdadeiramente bom
Mas se você, ouvindo-o, não o praticar corretamente,
Ainda, tal como a pessoa adoentada, mesmo que porte uma bolsa com remédios.
A doença não poderá ser curada.
Além disso, no "Esforçar-se nos Atos do Bodhisattva" de Santideva, consta:
Ponha em prática fisicamente tais instruções;
O que se realiza apenas com falatório?
Por acaso a pessoa doente pode curar-se
Apenas lendo um tratado médico?
(...) Por isso é vital por em prática o máximo possível do significado do que você ouviu. Nesse sentido os "Versos sobre o Ouvir" dizem:
Mesmo que se tenha ouvido uma grande quantidade de coisas.
Se não for controlado na disciplina ética,
Justamente por causa da sua disciplina ética, você será desprezado,
E o seu ouvir não será excelente.
Contudo, mesmo que se tenha ouvido pouco
Se for bem controlado na disciplina ética
Justamente por causa de sua disciplina ética, você será louvado
E o seu ouvir será excelente.
As pessoas que não ouviram tanto
E também não são bem controladas na disciplina ética
Serão desprezadas por todos os lados
E sua conduta não será excelente.
Aqueles que ouviram uma grande quantidade de coisas
E são também bem controlados na disciplina e ética
Serão apreciados por todos os lados
E sua conduta será excelente.
(Tsong-Kha-Pa. Lam Rim Chen Mo/O Grande Tratado sobre os Estados do Caminho da Iluminação. Século XIV)
Se a mente é vazia desde o princípio como pode ela ser aniquilada com a morte? Se de fato o que morre é o corpo. No sangarama sutta o Buda fala que a visão não vem do olho, mas da mente. A mente tenta criar conceitos sobre o que há depois da vida, mas não sabemos. Só através da experiência direta que iremos saber, isso é quando cada um de nós morrer. O caminho do meio é de que não existimos após a morte e nem deixamos de existir e nem que existimos e não existimos simultaneamente. Se a mente está livre de conceitos e fabricações o que se pode ser dito sobre o pós vida? Se essa mente auto desperta, cognitiva e vazia sumisse por causa da morte do corpo, ela não seria transcendente. Assim como não é possível destruir o espaço vazio, não é possível destruir essa mente vazia. O ponto de vista desse post é niilista, ele deixa claro a aniquilação e cai em contradição dizendo que não há aniquilação. No entanto meu objetivo não é causar contenda, apenas achei interessante o ponto de vista e quis expor minha visão do Dharma, já que fui acrescentado também. /\
ResponderExcluirEsse post não é niilista. Ele não se contradiz porque lida com a śūnyatā. Você está falando da mente como um ente fixo e imutável.
ExcluirSugestão de leitura:
http://rodadalei.blogspot.com/2014/03/o-conceito-budista-de-mente.html
http://rodadalei.blogspot.com/2013/11/o-budismo-acredita-em-reencarnacao.html