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sexta-feira, 13 de junho de 2014

A Escola Tiantai / Tendai


Tiantai foi a primeira das chamadas novas escolas budistas da época Sui-Tang. Seu fundamento canônico remonta à popular Escritura do Lótus e o nome da escola procede de uma montanha no Sul da China, que tinha importância histórica e servia como um grande centro de estudos da escola Tiantai. A sua abordagem equilibrada e sofisticada do estudo e prática do budismo combinava a exegese escritural meticulosa, a especulação metafísica criativa e a sistematização abrangente da prática meditativa. A figura fundadora da escola Tiantai e seu melhor representante é Zhiyi (538-597), um dos pensadores mais brilhantes da história do budismo do Leste Asiático. Zhiyi sintetizava as vertentes predominantes do budismo da época, reunindo as tradições intelectuais do budismo sulista com as práticas contemplativas características do budismo do Norte. Ao integrar essas duas vertentes em uma totalidade coerente, ele produziu um sistema completo de teoria e prática, reconhecido amplamente como uma das marcas registradas do budismo chinês.

Durante a sua vida, Zhiyi alcançou grande fama e conquistou amplo respeito como monge exemplar de alguns dos arquétipos monásticos mais significativos e respeitáveis: era um conferencista fascinante, praticante de meditação e um pensador inovador. Ele também recebeu copiosas menções honrosas e generoso patrocínio dos dois primeiros imperadores da Dinastia Sui, que reuniu a China em 589. Entretanto, os estreitos laços com a Dinastia Sui traziam vantagens e desvantagens, pois causaram um impacto negativo no destino da escola Tiantai com a chegada ao poder da sucessora Dinastia Tang, em 618. A escola sobreviveu de forma organizada durante boa parte da era Song e enfrentou períodos de notável revitaliação e desenvolvimento criativo entre os séculos VIII e XI.

Um quadro de referência filosófico básico formulado por Zhiyi era a doutrina das três verdades, que é uma expansão da doutrina de duas verdades proposta pela tradição do Caminho do Meio do budismo indiano. As duas verdades postulavam dois níveis de aspectos da realidade, o convencional e o absoluto. Zhiyi apresentou uma análise da realidade em termos de três aspectos integrados e inter-relacionados: (1) a vacuidade, (2) a existência convencional e (3) a média (ou “centro”), que incorpora os dois primeiros numa realidade unitária. A realidade última, em si própria, é considerada inconcebível, pois sua sutileza inestimável está além da capacidade humana de conceitualização ou explicação verbal. Dentro do sistema interpretativo de Zhiyi, as três verdades apontam para a natureza unitária da realidade, que engloba todos os modos de existência, desde os habitantes do inferno até os Budas plenamente iluminados. Isso levou Zhiyi a formular uma compreensão peculiar da realidade, que abarca a existência de todas as coisas no universo, expressa de modo sucinto por uma famosa máxima Tiantai, segundo a qual “os três mil reinos da existência têm uma presença inerente em cada momento do pensamento.”


Zhiyi também sistematizou as tradições meditativas do budismo medieval, criando um esquema completo da prática contemplativa que congregava as duas abordagens básicas da meditação budista, a calma e o insight. Nesse esquema multifacetado, Zhiyi levou em conta as necessidades e disposições de uma ampla variedade de praticantes. Ele enquadrou suas explicações da práxis contemplativa em torno da noção budista central de meios hábeis e utilizou uma diversidade de fontes canônicas; a partir disso, ele apresentou uma série de práticas contemplativas que utilizavam som e silêncio, movimento e quietude, forma e ausência de forma. As práticas variadas também incluíam uma combinação de posturas, procedimentos rituais, atividades de culto e outras técnicas de controle mental e purificação.

Dentro do sistema inclusivo de Zhiyi, alguns métodos de meditação, como a confissão a Guanyin (Kannon), por exemplo, deveriam ser cultivados em um santuário especial ao longo de um período de tempo predeterminado. Eles incorporavam conjuntos complexos de componentes rituais e técnicas meditativas, tais como a invocação dos três refúgios, oferecimento de incenso e flores, a meditação sentada que incorpora a atenção plena do Buda, a recitação de versos, a confissão de faltas, o arrependimento e a tomada de votos. No outro extremo do espectro, a meditação sem forma de “estar atento à direção que a mente toma num determinado momento” não tinha um procedimento fixo ou estrutura de tempo, e seu objeto de meditação não era outro senão os processos mentais que iniciam e acompanham as ações. A variedade abundante de práticas contemplativas propostas por Zhiyi era dirigida a um público amplo de indivíduos, com diferentes capacidades e origens, mas eram todas estruturadas segundo princípios comuns. Em seu núcleo estava o discernimento intuitivo do princípio fundamental da teoria e práxis Tiantai: a vacuidade da mente e dos fenômenos, que leva a realização da realidade última.

Zhiyi também criou taxonomias doutrinais influentes, escreveu comentários sobre as escrituras e compilou um código de disciplina monástica. Suas ideias foram interpretadas e elaboradas por gerações posteriores de monges e eruditos da escola Tiantai. O texto e os ensinamentos dessa escola continuam a ser estudados na China e no Japão (onde a variante nativa do Tiantai, a seita Tendai, é uma das principais tradições budistas) como parte significativa do legado filosófico e histórico do budismo chinês.

Mario Poceski – Introdução às Religiões Chinesas

Mais informações sobre o Budismo Tendai em http://www.tiantai.org.br/pagina_1.php

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