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Parte 5 - A Chegada do Budismo Esotérico na China e seus Patriarcas
por Marcelo Prati (Renji)
Ao fazer o caminho da Índia ao Ceilão e sudeste asiático o Budismo alcançou a China pelo mar ao sul, mas também atingiu a região através da rota da seda. Porém, chegou junto com as tradições budistas de uma forma geral e não como uma forma separada das outras práticas. Influências de tradições xamanistas locais conferiram popularidade a sutras que usavam termos como encantamentos para prosperidade ou evitar desastres. Tais sutras chegaram à China por volta do século III e somente depois de cinco séculos é que ensinamentos esotéricos genuínos atingiram o país. Em meados da Dinastia T’ang, quando o Taoismo crescia com rituais de clarividência, cura e promessa de imortalidade através da fé no panteão taoista, os elementos dos rituais esotéricos budistas foram bem recebidos, reforçando esse elemento ritualístico no Budismo chinês, embora as pessoas parecessem mais interessadas em habilidades e poderes mágicos do que nas doutrinas budistas especificamente. Além disso, o surgimento de figuras importantes como Kumarajiva (344-413) e Dharmaksema (385-439), ambos tradutores de vários sutras do sânscrito para o chinês, ajudou a disseminar o Budismo pelo país com traduções acuradas que tentavam manter o simbolismo e profundidade da mensagem, embora a popularidade dos textos se desse, talvez principalmente, pelas práticas de encantamentos. Textos continuaram a ser traduzidos, visto que, até o século VII o Budismo esotérico se desenvolvia fortemente na Índia. Até o século VIII na China, muitos sacerdotes trabalhavam em traduções ou viajavam para a Índia em busca de mais textos e estudos.
Shubhakarasimha |
Em 716 chega à China Shubhakarasimha (jap. Zenmui; 635-735) trazendo o Dainichi-kyō. Nascido entre a realeza na Índia, aos 13 anos de idade quase se tornou rei, renunciando ao trono e adentrando à classe sacerdotal. Estudando com Dharmagupta em Nalanda foi nomeado mestre e tomando consigo cópias de sutras viajou da Ásia Central até a China, sendo recebido pelo imperador Hsüan Tsung em 716, fundando um templo onde começou a traduzir sutras. Mudou-se para a capital oriental Lo-yang em 724, onde junto com seu discípulo I-hsing (jap. Ichigyō; 683-727) completou a versão chinesa do Dainichi-kyō, um grande comentário sobre a obra e várias outras traduções. I-hsing, por sua vez, estudou as doutrinas do Budismo T’ien-T’ai (jap. Tendai) compreendendo que os vários ensinamentos eram unificados de acordo com o Sutra do Lótus. Além de discípulo de Shubhakarasimha, também estudou com Vajrabodhi (jap. Kongōchi; 671-741), que o iniciou na prática de mantras e mudras. Também estudou matemática, dentre outras ciências, colaborando grandemente para a criação de um novo calendário. Escreveu comentários e registros de ensinos de Shubhakarasimha. Morreu num templo em Ch’an-an recebendo o título de “Grande Mestre na Meditação da Sabedoria” escrito pessoalmente pelo imperador em sua inscrição funerária.
Vajrabodhi nasceu na Índia, embora haja dúvidas sobre o local exato e suas origens familiares. Estudou os
Vajrabodhi |
ensinamentos Mahayana e as doutrinas do Kongochō-gyō com Nagabodhi por sete anos. Diz a lenda que inspirado pelo bodhisattva Kannon, viajou rumo à China, fazendo uma dura viagem pelo mar que durou três anos, passando pelo Ceilão e chegando em Lo-yang por volta de 720. Enquanto ele, sob o patronado imperial, traduzia textos da linhagem do Kongōchō-gyō, Shubhakarasimha se dedicava a introduzir o Dainichi-kyō na China. Ambos sutras foram fundamentais para o desenvolvimento do Budismo esotérico Chinês e japonês. Embora essa transmissão tenha ocorrido simbolicamente, os dois provavelmente nunca se encontraram. Vajrabodhi se preparava para voltar para a Índia quando adoeceu e morreu em Lo-yang. Seu principal discípulo foi Amoghavajra (jap. Fukū; 705-774). Nascido na Ásia Central, filho de um Brahmin do norte da Índia, perdeu o pai ainda criança e foi levado para a China por sua mãe, chegando lá em 714. Anos depois, tornando-se discípulo de Vajrabodhi estudou a linhagem do Kongōchō-gyō. Voltou para Ch’ang-na com quinhentos volumes de textos em sânscrito em 746. Em 755 numa revolta o Imperador Hsüan Tsung fugiu da capital e um novo imperador, Su Tsung tomou o trono com ajuda de tropas estrangeiras. A paz foi restaurada somente em 763 pelo imperador seguinte, Tai Tsung, mas a dinastia T’ang nunca se recuperaria desse golpe.
Amoghavajra teve um templo construído no monte Wut’ai, dedicado a Monju, o bodhisattva da sabedoria e espalhou as práticas de Monju pela China. Quando morreu em 774, o imperador suspendeu as atividades da corte por três dias de luto. Serviu a três imperadores da dinastia T’ang, traduziu um número incerto de textos, ele próprio listou 77, embora algo como 172 sejam atribuídos a ele, dentre os quais, alguns de sua própria composição. É reconhecido junto com Kumarajiva, Paramartha (jap. Shintai) e Hsüan-tsang como um dos quatro grandes tradutores budistas. Deixou vários discípulos, dentre eles o mais jovem e mais importante, Hui-kuo (jap. Keika; 746-805), o sétimo patriarca Shingon.
Hui-kuo |
Hui-kuo adentrou à ordem monástica aos 9 anos no Templo Ch’ing-lung (jap. Shōryū-ji) em Ch’ang-an, tornando-se discípulo de Amoghavajra aos 17. Foi iniciado nos ensinos esotéricos certa de três anos mais tarde nas práticas tanto do Mandala Kongō-kai através de Amoghavajra quanto no Mandala Taizō-kai por um discípulo superior. Sua reputação de rituais bem sucedidos se espalhou e muitos vinham de outros países para estudar. É a ele que é creditada a união dos elementos do Budismo esotérico chinês num sistema coerente, embora na China o Mikkyo nunca tenha sido considerado algo separado, uma vertente independente, como acontece mais tarde no Japão. No quinto mês de 805 EC, aos 70 anos de idade, doente e perto da morte, Hui-kuo conheceu Kūkai. Na época, apenas um monge japonês desconhecido que estava em Ch’ang-an para estudar. No espaço de apenas três meses, ensinando a ele as práticas dos dois mandalas, proclamou Kūkai seu último discípulo e sucessor. No décimo segundo mês daquele mesmo ano Hui-kuo morreu sendo sepultado ao lado do pagode de Amoghavajra, fora de Ch’ang-an.
Depois da morte de Hui-kuo, o Budismo esotérico perdeu gradativamente a influência na corte, sendo substituído pelo Taoismo. O Mikkyo desse período mudava também sua ênfase da filosofia da liberação para o mero ritualismo visando bênçãos, boa sorte, saúde, etc. Caindo no gosto popular, textos contendo rituais voltados para esses propósitos eram escritos e atribuídos aos patriarcas antecessores. Ao mesmo tempo, muitas instituições budistas e sacerdotes tornavam-se extremamente ricos e corruptos. O estado, atento com os templos isentos de impostos e influenciado pelos taoistas, reagiu.
Assim, em 841, sob a mão do Imperador Wu Tsung, começou uma perseguição ao Budismo onde sacerdotes eram forçados a retornar ao estado de leigos, templos e instituições eram destruídas e confiscadas, rituais budistas foram proibidos. O Budismo foi salvo da total destruição pela morte do imperador em 845, e mesmo com o seguinte, Hsüan Tsung, tendo políticas favoráveis, o Budismo nunca se recuperou totalmente. Ainda enfrentou outra perseguição de 955 a 959 sob a dinastia Chou tardia, teve um crescimento na dinastia Sung do norte (969-1126).
Em 971 o imperador Sung T’ai Tsu ordenou a impressão de uma edição completa de sutras budistas que foi completada em 983, foi um período de retomada de comunicação com a Ásia Central e Índia, quando novos textos budistas ainda chegaram à China. Os últimos esforços ainda aconteceram até o século X e XI, contudo não resultaram num reavivamento duradouro do Budismo esotérico, que persistiu no norte da China, mas infelizmente, apenas através do apelo de seu aspecto mágico misturado com crenças populares. Por fim, a ascensão mongol no século XIII reforçou a tradição tibetana e foi a forma de Budismo que restou na China e continuou a existir até a modernidade.
Continua...
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