por Marcelo Prati (Renji)
Cometi um engano de fazer uma postagem muito longa para a primeira parte, O Makashikan é um texto denso e cansativo. Com muita satisfação terminei de traduzir a introdução que tenho disponível, mas vou dividi-la em pequenas partes para facilitar a vossa leitura.
Quem não leu a primeira parte, sugiro que tome um bom fôlego e separe uns dias pra leitura. Imagino que postagens menores serão de "digestão" mais fácil. O texto tem algumas interrogações espalhadas, é onde deveriam estar alguns termos em chinês clássico que achei que seria perda de tempo transcrever todos. Mas fica como projeto futuro. De qualquer forma, creio que as pessoas aproveitarão mais do texto traduzido do que da presença de ideogramas antigos. Reitero também que provavelmente encontrarei erros no texto, que vou corrigindo aos poucos e atualizando a postagem.
Espero que aproveitem, leiam, repassem, espalhem. Um abraço e boa leitura.
Para a primeira parte clique AQUI.
Os
três tipos de Cessação-e-Contemplação [1c1-3b10]
T’ien-t’ai
[Chih-i] transmitiu os três tipos de cessação-e-contemplação ???? de [seu
mestre] Nuan-yüe [Hui-ssu]:[1]
gradual-e-sucessivo [ou progressivo] ??, variável [ou indeterminado] ??, e
perfeito-e-repentino [ou imediato] ??.[2]
Todos eles são do Mahayana, todos eles tomam os verdadeiros aspectos [da
realidade][3]
como meta e são assim chamados de “cessação-e-contemplação.”
O
[método] gradual-e-sucessivo envolve começar com o superficial e mais tarde
[avançar para] o profundo, como subir uma escada.[4]
O [método] variável envolve alternar entre [os estágios, dependendo da
necessidade,] iniciais e avançados, como um diamante disposto sob a luz do sol
[reflete diferentes cores dependendo da posição].[5]
O [método] perfeito-e-repentino envolve a não-dualidade do [estágio] inicial e
avançado, como um mago flutua no espaço ?.[6]
Assim
como há três tipos de faculdades [entre os seres humanos],[7]
três métodos são usados para ensinar usando três analogias. Aqui termina a
explicação breve; agora eu explicarei mais detalhadamente.
1.
Cessação-e-Contemplação Gradual-e-Sucessiva
[1c6]
[Primeiro,]
o [método de cessação-e-contemplação] gradual. Mesmo no início, há uma [certa
necessidade de] compreensão dos verdadeiros aspectos [da realidade], mas como
os verdadeiros aspectos [da realidade] são difíceis de entender,[8]
a prática é facilitada pela gradual progressão.
1.
Primeiro, a pessoa cultiva [o fortalecimento
moral por] tomar refúgio nos preceitos ??,[9]
dando as costas aos vícios e encarando o que é correto, cessando [as atividades
dos] seres infernais, animais e espíritos famintos ???,[10]
e atingindo os três bons caminhos [dos asuras, humanos e deuses],[11]
2.
Em seguida, a pessoa cultiva a concentração
meditativa ?? (dhyana), parando os
desejos e distrações [que impedem a mente] como uma rede e atingindo os estados
concentrados [dos reinos] da forma e não-forma ???[12]
[onde todas as aflições das paixões são suprimidas].
3.
Depois, a pessoa cultiva [os estados
meditativos onde está] o fim do fluxo ?? [das paixões, anasrava],[13]
cessando seu aprisionamento no mundo tríplice [do desejo, forma e não-forma] e
atingindo o caminho para o nirvana.[14]
4.
Em seguida, a pessoa cultiva bondade e
compaixão ?? (maitri-karuna),
impedindo [conscientemente de buscar] sua própria iluminação e assim atingindo
o caminho do bodhisattva.[15]
5.
Finalmente a pessoa cultiva [a compreensão
dos] verdadeiros aspectos [da realidade], pondo um fim a ambos extremos ?? e
[atitudes] dualistas,[16]
e atingindo o caminho de estabilidade duradoura [no perfeito estado de Buda].[17]
Tal método de começar com o
superficial no início e mais tarde avançar para o profundo, que é
característico do [método de prática] gradual-e-sucessivo da
cessação-e-contemplação.
[1]
Assim como Sekiguchi destaca, não há texto onde Hui-ssu use o termo chih-kuan (veja Tendai shikan no kenkyu, pp. 66-67). Mesmo que Chih-i tenha
preferido o termo ch’an para se
referir à prática budista como um todo em seus trabalho iniciais e só tenha
usado o termo chih-kuan em seus
últimos anos, talvez porque chih-kuan
seja mais indicativo do equilíbrio entre ensino e prática do que apenas ch’an. De qualquer modo, parece que o
esquema T’ien-t’ai de chih-kuan, e
especialmente esses três métodos, originaram-se de Chih-i. Chih-i certamente os
construiu a partir dos ensinamentos que recebeu de Hui-ssu, mas ao menos a
maior parte da sua formulação pode se creditada à genialidade de Chih-i.
[2]
Como Kuan-ting explica abaixo em mais detalhes, existem três formas de se
praticar a cessação-e-contemplação:
1.
O método gradual, que envolve avançar lentamente
do superficial ao profundo atingimento;
2.
O método variável ou indeterminado, o tipo de
prática a ser determinada de acordo com o tempo e lugar e o tipo de pessoa que
pratica; e
3.
O método perfeito-e-repentino, que envolve um
insight direto e imediato para dentro da realidade.
[3]
?? (ch. shih-hsiang, jap. jisso): os verdadeiros aspectos, reais
características ou marcas reais da realidade.
[4]
Essa imagem pertence ao Mahaparinirvana
Sutra, T 12.651a3-5:
Isso é como o corpo humano, onde a cabeça fica no topo
e não os outros membros, mãos, pernas e assim em diante. O Buda também é assim.
Ele é o mais respeitado – não o Dharma e a Sangha. Desejando salvar todos os
seres humanos do mundo, ele se manifesta de várias formas e com aparências
distintas, como alguém que sobe uma escada.
[5]
Essa imagem é novamente do Mahaparinirvana
Sutra, T 12.754a21-24:
Por que razão isso é chamado de Samadhi do Vajra (de
diamante) ???? ? Bons filhos, isso é análogo à cor que se torna variável quando o diamante é posicionado sob a luz
do sol. O Samadhi do Vajra é também assim. A aparência (“cor”) [daqueles em
samadhi] é variável entre as pessoas [ou seja, eles se aparentam diferentemente
para diferentes pessoas, dependendo da capacidade de percepção de cada um e dos
propósitos da pessoa em samadhi de se expressar com o objetivo de ajudar os
outros]. Por essa razão é chamado de “Samadhi do Vajra.”
[6]
Os comentários não oferecem uma fonte escritural para essa imagem, mas Chan-jan
(BT-1, pp. 78-79) explica que para um mago que flutua no ar, o espaço próximo
da terra ou os altos céus são o mesmo; tudo o mesmo espaço “vazio.” Aquele que
pratica o método perfeito-e-repentino é como o mago que percebe que não há
diferenciação entre os assim chamados níveis superiores e inferiores de
atingimento. Um insight direto dentro da realidade-como-ela-é transcende tais
distinções. Note que o caractere chinês para “espaço” 空 (kung)
é o mesmo usado para “vazio.”
[7]
Que é, inferior, intermediário e superior; veja o comentário na parte 18 do Tratado do Meio (T 30.25a23-27):
Existem três
tipos de seres sencientes; superiores,
intermediários e inferiores 上中下. Os superiores contemplam as coisas [lit.
“marcas dos dharmas”] nem como reais e nem como não-reais. Os intermediários
contemplam as coisas como completamente reais e completamente não reais. Os
inferiores são aqueles de sabedoria superficial, então eles contemplam as
coisas como um pouco reais e um pouco não-reais. Contemplam o nirvana como
real, pois é incondicionado e indestrutível. Contemplam o samsara como irreal
porque é condicionado, vazio e falso.
Veja também o verso 19:4 e comentário em T
30.26a12-20.
[8]
Veja Sutra do Lótus T. 9.5c11.
Hurvitz (Lotus Sutra, pp. 22-23)
traduz:
Sobre os dharmas principais, raros, difíceis de se compreender, que o Buda
aperfeiçoou, apenas um Buda e um Buda pode esgotar sua realidade, a essência dos dharmas, a essência das marcas, a
essência de sua natureza, [e assim em diante].
[9]
Isso provavelmente incluiria o compromisso mais amplo o refúgio tríplice –
tomar refúgio no Buda, Dharma e Sangha – assim como manter pelo menos os cinco
preceitos: abster-se de tirar a vida, de tomar o que não foi dado, de conduta
sexual ilícita, fala enganosa e de intoxicantes que possam entorpecer a mente.
Num sentido mais estrito de manter os preceitos budistas, os preceitos que
Chih-i normalmente se refere são aqueles que estão no Vinaya em Quatro Partes (Ssu
fen lü ???, T 22, No. 1428), na tradução chinesa da tradição Dharmaguptaka.
Essa tradição requer que se mantenha os 250 preceitos para os monges e 348 para
as monjas. Para detalhes sobre os preceitos veja Charles S. Prebish, Buddhist Monastic Discipline, The
Pennsylvania State University Press, 1975; veja também Mohan Wijayaratna, Buddhist Monastic Life, Cambridge
University Press, 1990.
[10]
Lit. o “fogo, sangue e a espada,” que se referem aos três destinos, inferno,
bestas e espíritos famintos (preta).
“Fogo” se refere aos desejos ardentes do inferno, “sangue” se refere aos modos
sanguinolentos dos animais e a “espada” a uma imagem da sede insaciável e fome
dos fantasmas famintos, cujo apetite nunca é satisfeito. Essas três formas de
existência se posicionam em contraste com as três positivas e boas formas que
seguem.
[11]
A prática de bons feitos resultará no nascimento, ou experiência nos destinos
mais positivos como o reino humano ou os divinos. Além disso, diferente dos
três modos maléficos ou destinos do inferno, animais e fantasmas famintos, as
atividades dos modos positivos podem produzir bom karma e guiar ao renascimento
como um ser humano e talvez ao atingir dos mais altos níveis de iluminação como
de um bodhisattva ou até mesmo de um Buda. Assim, o primeiro passo a ser tomado
para que uma pessoa se aproxime do caminho budista é aperfeiçoar a própria
conduta moral básica.
[12]
Tais termos se referem à classificação budista do mundo, ou nosso estado mental
de delusão, dentro de três reinos de desejo (kamadhatu), forma ? (rupadhatu)
e ausência de forma ?? (arupadhatu).
O reino do desejo é nossa experiência comum na qual somos constantemente
sujeitos aos desejos de todo o tipo. Incluído nesse reino estão os seis destinos
do inferno até os deuses. O reino da forma é um mais puro estado mental além do
desejo e inclui os assim chamados quatro céus de dhyana. O reino da não-forma é
um ainda mais puro estado mental além de toda forma e desejo, experienciado
apenas no mais alto estado de concentração. Veja “mundo tríplice” ?? no
Glossary.
[13]
Esse caminho de meditação consiste em oito tipos de dhyana e é descrito detalhadamente por Chih-i em seu Tz’u-ti ch’an-men, T #1916.
[14]
Em termos de T’ien-t’ai, este estágio representa a “entrada ou compreender o
vazio a partir do insubstancial” ????, que é, avançar de habitar na comum,
existência convencional rumo a compreender o vazio de todas as coisas. Tal
prática corresponde à dos sravakas e pratyekabuddhas, ao Tripitaka e Ensinos
Compartilhados.
[15]
Em termos de T’ien-t’ai, este estágio corresponde a “entrada ou compreender o
convencional a partir do vazio” ????, que é, “retornar” a uma compreensão da
existência convencional baseada no entendimento do vazio; a reafirmação do
mundo convencional; isso representa o movimento de “beneficiar os outros” em
contraste com apenas buscar em benefício próprio, “voltar” ao mundano para
ajudar os outros. Essa é a atividade altruística do bodhisattva e corresponde à
dos ensinos distintos.
[16]
Essas visões bilaterais extremas podem se referir aos dois extremos que são o
hedonismo e o ascetismo, às visões de que o existe um eu eterno ou de que um eu
não exista, ao eternalismo e ao niilismo, assim por diante.
[17]
Em termos de T’ien-t’ai, este é o Caminho do Meio, a simultânea compreensão do
vazio e da insubstancialidade como um todo e não como opostos extremos; a
perfeição de ambos beneficiar a si próprio e aos outros. Este estágio é o do
Buda e do Ensino Perfeito.
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