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quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Problema do Mal segundo Epicuro, Agostinho, Bayle e Leibniz

O Artigo NÃO representa meu ponto de vista, retratando apenas a visão dos pensadores abordados.

“Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que razão é que não os impede”
Epicuro

Epicuro, na passagem acima, questiona a compatibilidade da existência de um Deus, comumente considerado onipotente e bondoso, com o problema do mal no mundo. Se Deus quer impedir o mal e não pode, deixaria de ser onipotente; se pode e não quer, deixaria de exercer sua bondade; se não pode e não quer, além de impotente não seria bondoso.

Logo, fica complicado conciliar a realidade, permeada de maldade, com a existência de um Deus ao mesmo tempo onipotente e bom. Por outro lado, desconsiderar tais atributos incorreria imputar limites a Deus, o que, de alguma forma, ilegitima a posição de divindade ao próprio Deus (já que, a princípio, Deus significa perfeição, onipotência, onisciência, onipresença e bondade).
Voltaire também chega a conclusões semelhantes em seu Dicionário Filosófico:

“Ou Deus quer extirpar o mal desse mundo e não pode, ou pode e não o quer; ou não pode nem quer; ou finalmente quer e pode. Se quer e não pode, é sinal de impotência, o que é contrário à natureza de Deus; se pode e não quer, é malvadeza, o que não é menos contrário à sua natureza; se não quer e nem pode é simultaneamente malvadez e impotência; se quer e pode (o que de todas as hipóteses é a única que convém a Deus), qual então a origem do mal sobre a terra?”

Assim, fica configurado o impasse que incomodou a maioria dos filósofos de nossa história, o problema conhecido como “O Problema do Mal”, que abrange tanto o mal moral, consequência do comportamento humano, quanto o mal natural, consequência de catástrofes naturais (terremotos, enchentes, doenças, etc.). Neste texto, veremos resumidamente as visões dos pensadores Agostinho, Bayle e Leibniz, sobre o tema.

Agostinho
“Ainda então me parecia que não éramos nós que pecávamos, mas não sei que outra natureza, estabelecida em nós. A minha soberba deleitava-se com não ter as responsabilidades da culpa. Quando procedia mal, não confessava a minha culpabilidade, para que me pudésseis curar a alma, já que vos tinha ofendido, mas gostava de a desculpar e de acusar uma outra coisa que estava comigo e que não era eu. Na verdade, tudo aquilo era eu, se bem que a impiedade me tinhas dividido contra mim mesmo!”
Confissões

Sentindo-se incomodado com perguntas sobre Deus e a espiritualidade, Agostinho relata no Livro Confissões como se aprofundou no maniqueísmo e como a perspectiva do mal era incompleta nesta religião.

"Assim, afastava-me da verdade com a aparência de caminhar para ela, porque não sabia que o mal é apenas a privação do bem, privação cujo último termo é o nada."
Confissões

Nas citações mencionadas, Agostinho se opõe à visão maniqueísta da realidade, que explica a bondade e a maldade, manifestas no comportamento humano, como decorrentes da existência de uma competição entre forças divinas e demoníacas. Para o filósofo a maldade não existe como substância, mas é percebida simplesmente como uma privação do bem. Ou seja, o mal, nesta visão, é uma falta do ser humano.

Esta argumentação procurou livrar Deus da culpa do mal presente no mundo, pois se houvessem outras forças que representassem o mal, estas existiriam com a permissão de Deus e teriam sido criadas pelo próprio Deus, o que atribuiria ao Ser Supremo, ao menos, um papel de cúmplice da maldade, incorrendo novamente no problema exposto por Epicuro. Assim, a saída de Agostinho foi mostrar-se partidário do livre-arbítrio; Deus teria criado os seres humanos com a capacidade de escolher o caminho da plenitude (salvação) ou o caminho da privação, sendo que a inclinação natural para a maldade teria origem no pecado consumado no Jardim do Eden, conforme o relato bíblico.

O pensador atribui ao mal natural uma ocorrência necessária para a promoção de um bem maior, que se revela no decorrer da história humana; como uma peça disforme de um quebra-cabeças que só faz sentido quando encaixado na totalidade do quadro.

Pierre Bayle
“Os céus e todo o resto do universo pregam a glória, o poder e a unidade de Deus: apenas o homem, essa obra-prima do criador entre as coisas sensíveis, apenas o homem, digo, fornece grandes objeções contra a unidade de Deus.”
Nota D, verbete Maniqueus. Dicionário Histórico e Crítico

Bayle reaviva o Maniqueísmo. A visão monoteísta, segundo ele, é elegante à priori, pois mostra-se coerente ao afirmar que é necessário e suficiente a existência de um único ser responsável pela criação do universo ao invés de dois deuses antagônicos. Contudo, à posteriori, a visão maniqueísta se mostra mais realista, pois longe de ser apenas uma teoria bela, arrisca-se em explicar problemas observáveis como o problema do mal, levantando dúvidas de como o mal poderia ter se infiltrado no mundo, mesmo sob o comando de um Deus perfeitamente bom.

Ao argumento de Agostinho, de que Deus teria dado o livre-arbítrio para que a adoração a Ele não ocorresse de forma autômata, Bayle questiona: “pode uma criatura que deriva do Todo Poderoso sempre agir de uma maneira verdadeiramente livre?”. O filósofo questiona o pecado original narrado nas Sagradas Escrituras, dizendo que se Adão e Eva tiveram sua origem em um Ser Perfeito, eles não poderiam ter o pecado, nem em sua forma latente. Contudo, mesmo se isso fosse possível, Deus teria parte da culpa pelo mal, pois a exemplo do homem que deu uma faca a um criminoso sabendo certamente que este cometeria um crime, Deus em sua onisciência antes de ter criado o homem, já sabia de antemão que o livre-arbítrio seria mal utilizado.

As fortes objeções, colocadas por Bayle, não visam demonstrar o caminho do ceticismo, mas sim apresentar a ideia de que os mistérios de Deus são indecifráveis pelo pensamento humano, ou seja, os mistérios espirituais fazem parte da realidade humana e jamais serão desvendados. Se pudéssemos dissolver todos os questionamentos, igualaríamos nosso intelecto ao intelecto divino e assim deixaríamos de ser humanos.

Leibniz
“Assim, pode-se dizer que, de qualquer maneira que Deus criasse o mundo, este teria sido sempre regular e dentro duma ordem geral. Deus escolheu, porém, o mais perfeito, quer dizer, ao mesmo tempo o mais simples em hipóteses e o mais rico em fenômenos, tal como seria o caso duma linha geométrica de construção fácil e de propriedades e efeitos espantosos e de grande extensão” 
Discurso de Metafísica

Leibniz parte da ideia de que o universo fora organizado, de acordo com a vontade de Deus, de maneira a garantir uma finalidade para cada ente presente na natureza e um propósito sublime para o ser humano, inclusive nas coisas e fenômenos incompreendidos de imediato. Deste modo, para que não recaísse no problema apresentado por Epicuro, o filósofo recorre ao conceito de “melhor dos mundos possíveis”, afirmando que não existiria nenhum outro mundo imaginável dentro do intelecto de Deus que fosse melhor do que o nosso mundo, se existisse, o conceito de bondade ou de bem, deixaria de ser universal para ser arbitrário e convencional. Em outras palavras, a imutabilidade do bem, da beleza e da perfeição garantem que vivemos no melhor projeto de mundo possível.

Assim, o mau uso do livre-arbítrio no Eden, as catástrofes naturais e a crucificação de Cristo, por exemplo, teriam sido permitidos por Deus, em sua onisciência, para que da concatenação de suas consequências, um bem maior ocorresse.

O filósofo também advoga a aceitação, buscando perceber qual é a vontade de Deus por trás dos acontecimentos, por mais que estes pareçam ser maus. Para ele, existe uma harmonia matemática no mundo, mesmo em eventos que pareçam prejudiciais. Esta aceitação, porém, não significa ficar de braços cruzados e aceitar um destino determinado, mas sim agir segundo a vontade presuntiva de Deus tanto quanto podemos julgar a seu respeito, procurando com todo o nosso poder contribuir para o bem geral e particularmente para o ornamento e perfeição daquilo que tem a ver conosco, ou daquilo que está próximo de nós e, por assim dizer, ao nosso alcance.

Conclusão
O trabalho analisou quais foram as respostas dadas por Agostinho, Bayle e Leibniz, para a solução do problema do mal, proposto por Epicuro.

Opondo-se à visão maniqueísta de que haveria uma eterna disputa entre forças antagônicas do bem e do mal, o que faria do próprio Deus, criador de tudo, inclusive das forças malignas, culpado pela existência da maldade; Agostinho advoga que o mal entrou no mundo pelo uso indevido do livre-arbítrio humano. O livre-arbítrio fora dado ao homem como um presente, a fim de que as pessoas não agissem de forma autômata diante da proposta salvadora de Deus.

Bayle, apesar de não se considerar cético, questiona o monoteísmo tradicional ao declarar que Deus já sabia, antes de ter criado o homem, que este faria mau uso do livre-arbítrio, atribuindo a Deus, por esta perspectiva, a cumplicidade do pecado. O pensador ainda afirma que a resposta maniqueísta para o problema do mal é mais elegante que a resposta cristã usual, pois arrisca-se em explicar um problema prático, ao invés de esconder-se atrás de teorias bonitas. Apesar destes questionamentos, Bayle mantém sua fé num único ser Onipotente, justificando sua motivação ao ter demonstrado as contradições do cristianismo, apenas para expor as limitações da mente humana ao tentar explicar os mistérios espirituais. Em outras palavras, propõe ser impossível explicar o problema do mal.

Enfim, Leibniz defende a noção de que o mundo não poderia ter sido criado de uma forma mais perfeita, havendo para cada ente existente uma determinada finalidade ou utilidade a serviço dos seres humanos. Ou seja, vivemos no melhor dos mundos possíveis, engenhosamente criado e orquestrado pelo Todo Poderoso. Os eventos cotidianos considerados maus nada mais são do que permissões de Deus em sua onisciência, para que um bem maior se concretize. Por exemplo, pode-se afirmar que Deus, da mesma forma em que sabia de antemão do mau uso do livre-arbítrio (conforme o questionamento de Bayle), também já conhecia na eternidade seu plano de redenção; este mesmo raciocínio pode ser estendido a qualquer evento considerado mal que possa ocorrer, pois este obrigatoriamente carregará em si um fim sublime onde a justiça universal divina se manifesta perfeitamente, sem deixar brechas.

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