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segunda-feira, 6 de maio de 2013

Confissões Parte 2 (Santo Agostinho) - Análise Livro 3, cap. 05-07

No post anterior foi discutido a respeito das motivações que levam o ser humano a cometer o mal. Concluiu-se que ninguém faz o mal pelo mal, mas que mesmo a maldade mais pérfida procura um "bem" maior e que este "bem", portanto, é uma imitação dos atributos de Deus. Foi visto ainda que o ambiente influi no comportamento do indivíduo e o incita ao pecado.
Hoje será analisado o Livro 3, capítulos 5 ao 7. A análise não representa necessariamente minha opinião pessoal, mas sim, simplesmente, a visão do autor.


Capítulo 5: Perante a simplicidade da Bíblia

Agostinho confessa que, por orgulho intelectual, relutou bastante em aceitar a Bíblia e que a considerava mal escrita em comparação a Cícero, porém, muda de opinião ao perceber que as Sagradas Escrituras continham as seguintes características:

"Determinei, por isso, dedicar-me ao estudo da Sagrada Escritura, para a conhecer. Vi então uma coisa encoberta para os soberbos, obscura para as crianças, mas humilde ao começo, sublime à medida que se avança e velada com mistérios."

Assim, percebe a essência da mensagem, ao invés de apegar-se a sua beleza literária.

Capítulo 6: Seduzido pelo Maniqueísmo

Antes de continuar a análise, explicarei o que é o maniqueísmo:

Esta seita, que espalhou-se principalmente pela Pérsia, Egito, Síria, África do Norte e Itália, foi fundada por Maniqueu (ou Manés), o qual , perseguido pelo rei e magos do seu país, a Pérsia, teve de refugiar-se na Mesopotâmia. Voltou à pátria, onde foi esfolado e atirado às feras.

O maniqueísmo misturava as doutrinas de Zoroastro com o cristianismo. Eis os pontos principais da sua doutrina: Desde toda a eternidade existem dois princípios, o do bem e o do mal. O primeiro, que se chama Deus, domina o reino da luz, e Ele mesmo é luz imaculada, que só pela razão e não pelos sentidos se pode perceber. O segundo chama-se Satanás, rei das trevas, e é mau quanto à sua natureza, pois é matéria infeccionada.

Ambos comunicam a sua substância a outros seres, que são bons ou maus conforme a sua origem. Houve luta entre os reinos da luz e das trevas. Os demônios arrebataram partículas de luz. Satanás gerou Adão e comunicou-lhe essas partículas, que seriam as almas dos homens.

Deus, para libertar a luz do cativeiro da matéria, criou, por intermédio dos espíritos antagonistas dos demônios, o Sol e a Lua, os astros e a terra. Esta é de matéria inteiramente corrompida.

O homem compõe-se de três partes: de corpo, oriundo do mal, de espírito, oriundo de Deus, e de alma insensível, cheia de maus apetites e dominada por Satanás. Deus enviou Cristo para salvar os homens. O Espírito Santo, menor que o Filho, também de substância puríssima, age beneficamente, ao contrário dos demônios, que só provocam calamidades. Cristo tomou um corpo aparente, e por isso a sua morte não foi verdadeira. Maniqueu dizia-se o enviado de Deus para completar a obra de Cristo. Os maniqueístas acreditavam na purificação das almas através de diversos corpos. Deviam castigar o corpo e abster-se, quanto possível, da matéria. Mas os vícios pululavam entre eles... A seita maniqueísta, para imitar o Colégio Apostólico, tinha à frente um chefe, seguiam-se-lhe doze ministros, setenta e dois bispos, e, por fim, os diáconos e presbíteros. Celebravam missa sem vinho, festejavam o domingo,Sexta-Feira Santa e o dia de aniversário da morte de Manes.

(Cf. De Haeresibus, cap. XLVI). (N. do T.)

No capítulo 6, autor conta como foi seu envolvimento com o maniqueísmo, a forma com que as palavras pareciam ser verdadeiras, pois falavam do mesmo Deus, mas que no fundo não passavam de meras conjecturas - pura ficção. Ensinamentos que ao invés de trazer a saciedade, provocavam ainda mais fome, segunda a narrativa.

"Naquelas bandejas serviam-me então ficções brilhantes. Já era mais acertado amar este Sol, verdadeiro ao menos para os olhos, do que estimar estas falsidades, que pelos olhos iludiam a inteligência.  Contudo, porque julgava que éreis Vós, alimentava-me com aqueles manjares, mas não avidamente, porque não Vos saboreava na minha boca, tal qual sois. Nem estáveis naquelas ficções vãs, que, longe me me nutrirem, mais me debilitavam."

Ao final, Agostinho parece estar seguro de que a verdade se encontrava na maneira com que, através de suas meditações, o autor concebia Deus, como a vida de todas as almas.

"Quão longe estais, portanto, daquelas minhas quimeras, ficções de corpos que de nenhum modo existem! Mais certas que elas são as imagens dos corpos que existem, e mais certas ainda que estas mesmas imagens são os próprios corpos que Vós não sois. Mas também não sois a alma que é a vida dos corpos — esta vida dos corpos melhor e mais real do que os corpos —, porém sois a vida das almas, a Vida das vidas, que vive em razão de si mesma, e que não muda, ó Vida da minha alma!"

Capítulo 7: Vencido pela ignorância dos maniqueístas

Sentindo-se incomodado com perguntas sobre Deus e a espiritualidade, Agostinho relata como se aprofundou no maniqueísmo e como a perspectiva do mal era incompleta nesta religião.

"Assim, afastava-me da verdade com a aparência de caminhar para ela, porque não sabia que o mal é apenas a privação do bem, privação cujo último termo é o nada."

Assim, o mal é aqui definido, em oposição ao pensamento dual maniqueísta, como algo sem substância, ou seja, a ausência de um ser, que neste caso é o bem, a bondade.

Em seguida descreve Deus como um Ser de impossível descrição, muito além de vãs conjecturas. Começando uma reflexão a respeito da justiça interior, gravada no coração humano pelo Onipotente, e do seu não condicionamento ao tempo ou cultura. Exalta os patriarcas pela fidelidade à esta justiça. Ao dizer que há um senso de justiça "gravado no coração humano", o autor atribui substância ao bem, ou seja, o bem é ser e está diretamente ligado a lei de Deus.

"Ignorava a verdadeira justiça interior, que não julga pelo costume, mas pela lei retíssima de Deus Onipotente. Segundo ela formam-se os costumes das nações e dos tempos, consoante as nações e os tempos, permanecendo ela sempre a mesma em toda parte, sem se distinguir na essência ou nas modalidades, em qualquer lugar. A face desta lei foram justos Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Davi e todos os que Deus louvou por sua própria boca. A estes tiveram-nos na conta de loucos os ignorantes, que julgam conforme à 'sabedoria humana'..."

Depois, descreve que aquele que segue esta lei de retidão é considerado louco pelas pessoas comuns, pois estas ainda não transcenderam os costumes, tradições e o conhecimento de suas épocas, ou seja, a sabedoria humana.

"A estes tiveram-nos na conta de loucos os ignorantes, que julgam conforme à 'sabedoria humana' e avaliam todos os costumes do gênero humano pela medida dos seus..."

Finalmente, o capítulo se encerra com um argumento que confundia o raciocínio de Agostinho em sua fase maniqueísta: a ideia de que a Verdade muda com o decorrer do tempo.
Esta argumentação é desmentida pelo Santo da seguinte forma:

"Porventura a justiça é desigual e mutável? Não. Os tempos a que ela preside é que não correm a par, pois são tempos. E os homens — cuja vida sobre a terra é breve — não sabem harmonizar pelo raciocínio as razões dos tempos passados e dos outros povos, porque delas não tiveram conhecimento direto. Mas podem verificar facilmente pela experiência própria, no mesmo corpo, no mesmo dia e na mesma casa o que convém a tal membro, a tais circunstâncias, a tal lugar ou a tais pessoas. No primeiro caso escandalizam-se, mas no segundo já se conformam."

O fato de Deus ter feito concessões no Antigo Testamento, por exemplo, não implica que Verdade se alterou. Estas concessões foram apenas um conjunto de regras necessárias para que o bem mais sublime, e que na essência sempre foi o mesmo, se manifestasse mesmo em meio aos limites dos homens daquela época.

"Não reparava que a justiça, a que os homens retos e santos se sujeitaram, formava nos seus preceitos um todo muito mais belo e sublime. Não varia na sua parte essencial, nem distribui e determina, para as diversas épocas, tudo simultaneamente, mas o que é próprio de cada uma delas."

Finalmente, o Santo se arrepende de ter sustentado em tempos anteriores a falácia da Verdade mutante.


"Na minha cegueira, censurava os piedosos patriarcas*, que não só usavam do presente, conforme aos preceitos e inspirações de Deus, mas também prefiguravam o futuro, segundo o que Deus lhes revelava"


*À face da moral, há duas explicações para a poligamia dos patriarcas: a dispensa da lei monogâmica por parte de Deus: ou a persuasão íntima, embora errada de que procediam bem ao admitirem aquele costume.

Fonte: Livro Confissões (Coleção Pensador)

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