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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Confissões Parte 3 (Santo Agostinho) - Análise Livro 13, cap. 28-29


Encerrando a série Confissões, no post anterior Agostinho refutou o maniqueísmo e voltou-se ao Deus cristão. Hoje veremos duas discussões: sobre a bondade inerente de Deus e sobre a aparente contradição bíblica no mito da criação. 


1. Resumo
O trabalho objetiva acompanhar a evolução do pensamento de Santo Agostinho na obra Confissões,  nos capítulos 28 e 29 do Livro XIII.

Palavras chave: Deus, bem, mal, criação.

2. Introdução
O texto se limita a analisar os capítulos 28 e 29 da obra de Agostinho. No capítulo 28 será visto a manifestação da essência da bondade de Deus nas criaturas, enquanto que o capítulo 29 tratará sobre uma aparente contradição bíblica na narrativa da criação.

3. Desenvolvimento
3.1 Capítulo 28: A obra da criação é essencialmente boa
“Vós vistes, ó meu Deus, todas as coisas que criastes. Pareceram-Vos elas muito boas e, assim, também nós as vemos e as achamos igualmente excelentes. Depois de dizerdes a cada uma das espécies das vossas obras que "fossem criadas" e depois de elas o serem, vistes que eram boas. Sete vezes contei-as eu, está escrito que vistes ser excelente a obra por Vós criada. Na oitava declara-se que contemplastes todas as vossas criaturas como obra vista de conjunto, e eis que elas então não só Vos pareceram 'boas', mas 'muito boas'.”

Este trecho inicia-se como o discurso de que a obra de Deus é necessariamente boa, pela insistência no julgamento de Deus em declarar a própria criação como boa. Na tradução bíblica conhecida como Vulgata diz-se seis vezes que a obra das mãos do Onipotente eram boas e uma vez, a sétima, que eram muito boas; na tradução dos Setenta aparecem oito vezes esta expressão. Quando Deus afirma que a criação é “muito boa”, refere-se a todo o conjunto, ou seja, que a inter-relação entre as criaturas é ainda melhor que cada criatura em separado.

“Cada uma das criaturas separadamente era boa. Porém, consideradas em conjunto, eram não só 'boas', mas até 'muito boas'. Isto mesmo o afirma também a beleza de qualquer ser orgânico. Um corpo, formado de membros todos belos, é muito mais belo que cada um dos seus membros de cuja conexão harmoniosíssima se forma o conjunto, posto que também cada membro separadamente tenha uma beleza peculiar”.
Nesta segunda parte, Agostinho quer demonstrar que mesmo um único ser orgânico é composto de uma quantidade de membros e órgãos belos, mas que a expressão de sua maior beleza acontece quando estes membros estão interconectados e exprimem a harmonia total deste único ser.

É possível inferir que a finalidade de todo este discurso é defender a tese da bondade inerente de Deus. Uma vez que a fonte é boa, não há como os frutos serem maus. Se Deus é bom, tudo o que vem dele, necessariamente, é bom. 

3.2 Capítulo 29: Fora do tempo
“Inquiri atentamente se foram sete ou oito vezes que Vos pareceram boas as vossas obras, ao agradarem-Vos. Nessa vossa contemplação não encontrei o tempo pelo qual pudesse compreender ser esse o número de vezes que admirastes a criação. Por isso exclamei: Ó Senhor, eu creio que é verdadeira a vossa Escritura, pois não fostes Vós, a autêntica e a própria Verdade, que a ditastes? Por que me dizeis que a vossa visão dos seres criados não está sujeita ao tempo, se a vossa Escritura me narra, dia a dia, terdes Vós contemplado a excelência das vossas criaturas, e tendo-as eu contado, as vezes que as vistes, achei o seu número?”

Neste parágrafo Agostinho parece estar incomodado com uma aparente contradição bíblica da eternidade de Deus em contraponto com a forma temporal da narrativa da criação. Ou seja, o Deus eterno da Bíblia aparece no livro de Gênesis criando o mundo através dos dias, dependendo do tempo cronológico.

“A isso me respondeis. Porque sois o meu Deus o dizeis com voz forte ao ouvido interior do vosso servo, rompendo a minha surdez e exclamando: "Homem, o que a minha Escritura diz, Eu o digo. Mas ela di-lo no tempo, e este não atinge o meu Verbo, que subsiste comigo numa eternidade igual à minha. Assim, o que vedes pelo meu espírito, sou Eu que o vejo; o que dizeis pelo meu espírito, sou Eu que o digo. Mas, assim como quando vós contemplais estas coisas no tempo, Eu não as contemplo no tempo, assim, quando vós as dizeis no tempo, Eu não as digo no tempo”.

Para contornar o problema, o autor advoga um argumento de fé, que “supera” a razão, uma espécie de artifício lógico. Este artifício consiste em que Deus usou de tempo na narrativa devido a incapacidade humana de entender como as coisas realmente se sucederam (ou sucedem) na eternidade; situando, assim, a leitura da Escritura em dois níveis:
O primeiro é a da Verdade Revelada enquanto essência, ou seja, é a palavra eterna de Deus na qual não há possibilidade de contradição, posto que sua fonte é eterna e onisciente (tempo kairos).
O segundo consiste na inserção dessa verdade revelada na história da salvação do gênero humano, ou seja, no tempo cronológico (chronos) onde há começo, meio e fim. Na verdade, esses dois níveis se misturam no homem, mas não em Deus.

4. Conclusão
Do capítulo 28, subentende-se, mesmo porque o autor já tinha se expressado em outros capítulos, que Deus não poderia ter criado um mal com substância, como afirmavam os maniqueístas. Assim, o mal é introduzido na criação não pelo Criador, mas pela desobediência. O homem se rebela e resolve não corresponder à graça, e este afastamento é chamado de mal, fruto da desobediência e insensatez humana.
Por sua vez, a obediência é a correspondência à graça divina. Se eu não correspondo, eu não obedeço. Ou seja, eu voluntariamente não quero o bom, o belo e o verdadeiro, cuja fonte é Deus. Então, cria-se uma fantasia, uma ideia de que é possível ser feliz longe de Deus e longe daquilo para que as pessoas foram feitas (o bem).
No capítulo 29 Agostinho demonstra que o homem percebe a eternidade através da revelação,  ou seja, daquilo que Deus revela na história. Mas, ao mesmo tempo, a humanidade não consegue penetrar essa eternidade com seus olhos carnais, precisando, então, da fé e do auxílio divino, a graça. Deus, porém, percebe a história como um todo e, simultaneamente, está submerso em sua própria eternidade.

5. Referência Bibliográfica:
Agostinho. Confissões; tradução de J. Oliveira e A. Ambrósio de Pina. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

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