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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Alisson, suas respostas

Este post é uma resposta aos questionamentos feitos por um visitante no post "Realidade Alternativa".

Oi Alisson. Meu mestre, Dharmananda (do blog Budismo Aristocrático), leu e respondeu a suas indagações:

Ola Sandro,
Saudações!
Embalado pelo tom polêmico do texto resolvi brincar também neste jogo.
1)Pra aquecer, começo por questionar o que se entende por "realidade", "racionalidade", "lógica", "auto percepção", "sabedoria" etc.

R.: Realidade é aquilo que existe. Saber o que existe constitui a velha disputa entre realistas e anti-realistas.
De forma geral, o Budismo diz que há dois tipos de realidade: A realidade ontológica e a realidade ôntica.

A realidade ontológica é aquilo que percebemos e que comprovamos através dos sentidos ou da experimentação. Dessa forma, podemos dizer que as ondas de rádio, as ondas eletromagnéticas etc., que não são captadas diretamente pelos sentidos, são reais, pois podem, direta ou indiretamente, ser percebidas , ou através de equipamentos para isso ou através dos efeitos que elas causam (esquentar os alimentos, por exemplo). Nós, limitados por nossos sentidos, interpretamos as diversas manifestações do mundo exterior como reais ou irreais dentro desses critérios que, aliás, são os critérios mais fiáveis de análise. Ninguém deve se colocar na frente de uma locomotiva em movimento se os seus sentidos lhe alertam para a presença da locomotiva em movimento. Ninguém deve colocar a mão dentro de uma fogueira se os seus sentidos lhe informam que ali há uma fogueira. Sem esses critérios, não há nenhuma possibilidade real de construção do conhecimento tendo em vista que só posso classificar ou analisar algo através dos cinco sentidos e da mente. Se abandono tais critérios, qualquer coisa pode ser tudo. Uma cadeira pode ser o papa, um copo de vidro pode ser de ouro ou minha própria realidade, enquanto ente, pode ser questionada. Na verdade esse jogo de questionamento não passa de retórica fútil e vazia. Nenhum relativizador se joga do décimo andar para testar se a altura e a queda são reais...

A realidade ôntica é a realidade para além dos sentidos. Como é o mundo sem que o nosso cérebro interprete o comprimento das ondas que fazem com que enxerguemos cores? Como é o mundo sem que o nosso cérebro receba as mensagens de gostos e de aromas? Qual é o aroma ôntico das flores? Sim, porque o aroma que percebo é uma interpretação de meus sentidos...A resposta é: Nunca saberemos. Sendo assim, devemos nos guiar pelo melhor que temos, ou seja, conformar nosso intelecto à realidade ontológica.

Racionalidade é a capacidade que temos de conectar o sentido das coisas, ou seja, de aplicar as capacidades de análise, de percepção e de interpretação aos objetos cognoscíveis. Aceitar algo como racional é dizer que está de acordo com o que é apropriado, com aquilo que faz sentido baseado na experiência própria ou transmitida. É racional, por exemplo, seguir as recomendações médicas para se tomar um antibiótico quando estamos com sinais e sintomas de infecção. O médico, para fazer tal diagnóstico, usa sua capacidade de raciocínio e de interpretação, assim como sua experiência, ou seja, conectar o sentido das coisas, dos sintomas relatados pelo paciente, do que ele próprio percebe e dos métodos testados para tal detecção. Sem racionalidade, também não há construção do conhecimento. Platão e Aristóteles dizem que o exercício da razão é uma parte substancial do bem supremo para os seres humanos.

Lógica é a ciência geral da inferência. Na lógica dedutiva, parte-se de um fenômeno geral para se concluir algo de particular. Por exemplo: Todos os pacientes gripados avaliados até hoje relatam coriza e um mal-estar sistêmico moderado. Se há um paciente gripado, ele apresentará coriza e um mal-estar sistêmico moderado.

Na lógica indutiva, parte-se de um fenômeno particular para se concluir algo geral. Por exemplo: A água da bica de minha cidade corre para baixo. Logo, a água de todas as bicas do mundo em condições similares correrá para baixo.

Na lógica dedutiva, a conclusão não pode ser falsa se as premissas são verdadeiras. Na lógica indutiva as premissas podem sustentar uma conclusão sem no entanto a implicar.

No primeiro exemplo, se a premissa de que todos os pacientes gripados avaliados até hoje relatam coriza e mal estar sistêmico moderado é verdadeira, a conclusão de que, necessariamente, alguém gripado apresentará tais sintomas, é verdadeira. Se um só paciente gripado não apresentar esses sintomas, a conclusão já não será necessariamente verdadeira. Nesse aspecto, ela é mais frágil do que a lógica indutiva.

No segundo exemplo, a água de bica é a mesma água de todos os reservatórios do mundo, ou seja, H2O. Sendo assim, as características de sua mecânica são as mesmas. Analisando a mecânica de uma amostra de água da bica de minha cidade, posso chegar a conclusões gerais sobre a mecânica de toda a água do mundo, sem necessariamente essas conclusões estarem implicadas com a água daquela bica específica. 

Sendo assim, particularidades nas premissas da água da bica não implicam, necessariamente, nas conclusões gerais.

Se eu fizesse um raciocínio dedutivo sobre a água da bica, as premissas teriam que ser, necessariamente, verdadeiras para que a conclusão fosse verdadeira. Por exemplo: A água de todas as bicas que observei, correm para baixo. Logo, a água da bica X, que desconheço, corre para baixo. 
Se a bica X tiver uma torneira de alta pressão, a água será impulsionada para cima, ou seja, a premissa de que a amostragem observada corresponde à realidade da bica X é falsa. Aliás, a própria existência da bica X destrói a veracidade da premissa.

Ao contrário, se eu fizesse um raciocínio indutivo no caso do paciente gripado, teria conclusões mais seguras: Uma amostragem pequena, de tipos variados, me mostra características gerais de como se comporta o vírus da gripe. Partindo dessa amostragem, quando são apresentados os sintomas e analisados os exames, posso concluir, com alguma segurança, que um paciente que não participou da pequena amostragem de teste, está gripado.

Não cabe nessa curta resposta explanar sobre indutoras e induzidas, ou sobre os métodos de indução amplificante etc...

A lógica tem limitações, obviamente, mas é o método mais seguro de se encontrar a verdade ontológica de algo. Desprezar a lógica é jogar pela janela toda a possibilidade de probabilidade e razoabilidade.

Auto-percepção é a capacidade que os seres têm de estarem conscientes de si mesmos. Saber quando se está desperto do sono é uma forma de auto-percepção. Sentir dor é um sinal importante de auto-percepção. Sentir fome, frio, calor, tristeza ou alegria e estar consciente dessas sensações também são parte da auto-percepção. A auto-confiança e a coragem também são formas de auto-percepção.

Questionar a realidade da auto-percepção é questionar a própria realidade o ente cognoscente. Se eu pergunto algo, logo tenho que existir. Se existo, me percebo.

Sabedoria na antiguidade grega era sinônimo de filosofia. Depois passou a ser também a conexão entre virtude e conhecimento. Descartes a definiu em seus “Princípios” da seguinte maneira:

“Por sabedoria não se entende apenas a prudência nos negócios, mas um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para a conduta de sua vida como para a conservação da saúde e a invenção de todas as artes”

Em outro sentido, sabedoria pode ser entendida como a característica daquele que é sábio, sobretudo no sentido moral desta palavra.

No Budismo, “Sabedoria” é Prajña, ou seja, é a união entre o conhecimento teórico e a prática adequada para que se atinja “Prajña-Paramita”, ou a Perfeição da Sabedoria, a perfeita harmonização entre o conhecimento erudito, a prática moral, a absorção meditativa e o controle dos sentidos e da mente.

2) Num segundo momento, penso que realidades extra terrenas não implicam exclusivamente em deuses. Se adotamos um critério rígido de caráter positivista, onde o conhecimento objetivo deve ter acesso empírico direto, o pensamento e a imaginação, que denunciam indiretamente sua existência, teriam sua existência negada. Sob outro enfoque, ao considerar os deuses como uma invenção humana, eles possuem uma existência terrena.


R. Há aqui uma gritante confusão terminológica. Realidades “extra-terrenas” são os planetas, as estrelas, as galáxias ou tudo aquilo que existe fora do planeta Terra. Tais realidades, de acordo com a moderna Cosmologia, não tem absolutamente nada a ver com deuses mesmo. O termo a ser aplicado aqui é realidades metafísicas, e não “realidades extra terrenas”.

O pensamento e a imaginação são dados de acesso empírico direto uma vez que todos nós pensamos e imaginamos e, portanto, os experimentamos (empiria=experimentação). Não são dados materiais, ou seja, não podem ser avaliados como a matéria ou com os critérios pelos quais se avaliam os objetos cognoscíveis materiais.

O pensamento e a imaginação podem criar elementos inexistentes na realidade objetiva, apesar de se tornarem objetos da realidade subjetiva. Ou seja, não necessariamente aquilo que a mente cria é uma “denúncia indireta” de uma realidade objetiva.

Crianças imaginam monstros e conversam com brinquedos. Isso não quer dizer que os brinquedos as ouçam ou que os monstros existam.
Os deuses possuem existência subjetiva, ou seja, existem dentro da mente das pessoas que neles acreditam. Isso não quer dizer que existam fora de lá ou que possuam os poderes atribuídos pela imaginação das pessoas a eles.

3) O 3 ponto se refere a negar a cidadania ou ser condescendente àqueles "coitadinhos" que acreditam na vida pós morte. No caminho nietzschiano da ética do oprimido que é ressentimento, não seria isso um ressentimento aos ressentidos?
Nesse sentido, porque a razão ou a lógica devem ter prioridade sobre outras formas de conhecimento, de experiência? É mesmo capaz um iluminismo positivista de desencantar o mundo? Devem as pessoas se orientar em função disso? Por o ponto de vista racional é privilegiado em relação aos demais?
Outro ponto. não me parece insignificante querer ocupar o lugar dos dogmas das verdades inquestionáveis com um dita racionalidade de caráter unívoco.
Outra que me chamou a atenção foi os singulares do texto:espitualidade, racionalidade, sabedoria etc. Por que não espiritualidades? Lógicas? Racionalidades? Um campo possível de possibilidades. Cada pessoa, povo, tempo. ..
Chamou me a atenção ainda o caráter taxativo do texto: "tais forças não existem". O caráter fechado e cerceador.
Abraços
Alisson

R. O oprimido é ressentido segundo Nietzsche. Analisar uma realidade é ser “ressentido”? Quando analisamos o “coitadismo” ou qualquer outro fenômeno de forma objetiva e direta, isso, necessariamente, será algo toldado por emoções como o ressentimento? Obviamente que não. O coitadismo não é algo embasado na razão, mas pura e simplesmente no ressentimento e nas emoções auto-destrutivas. A análise do fenômeno não parte desse pressuposto.

Aristóteles estabelece, de acordo com critérios bastante razoáveis, que a fiabilidade do discurso lógico é maior do que a dos outros três tipos de discurso (poético, retórico e dialético). Platão diz que os sentimentos e as emoções não são critérios confiáveis para se construir qualquer tipo de conhecimento.

Para ele, o verdadeiro conhecimento (epísteme) é diferente da mera opinião (doxa). Cremos ser mais razoável confiar em Platão do que no achismo e no relativismo acadêmico que quer reduzir tudo à mesma e única gelatina sem forma, onde cada um fala o que quer, sem grandes critérios e sem se ter, sequer, uma definição adequada dos termos. Na realidade, o que se faz, é enfiar qualquer significado que se queira por baixo das palavras e enfiá-las goela abaixo da audiência cordata e despreparada.

Não há nenhum “Iluminismo Positivista” em Platão ou em Aristóteles. Tampouco em filósofos budistas como Nagarjuna, Dignaga, Chandrakirti Vasubandhu, Asangha , Zhi-yi e outros grandes luminares da Filosofia Budista. 

A questão aqui é bem outra. É o embate entre o romantismo doentio moderno, pseudo-espiritual e “holístico”, contra a espiritualidade Budista tradicional, Ariana e não-teísta.
O homem moderno, inebriado de uma visão romântica e amolecida da realidade, prefere fugir para “paisagens idílicas”, criadas por sua fantasia, do que se defrontar com qualquer método que possa ferir seu “encanto”. 

Os mesmos que defendem essa pseudo-espiritualidade doce e amena, cheia de encanto e alegria, são incapazes de qualquer ação ascética, de qualquer renúncia às suas preferências mundanas ou da adoção de qualquer código moral objetivo.

Falam de Cristo, mas são incapazes de renunciar aos seus apegos mundanos em nome de Cristo. Sua “fé” nunca seria suficiente para se internar em um mosteiro e praticar a ascese do deserto preconizada pelo próprio Jesus com seu retiro e jejum. Preferem um “Cristo” bonzinho, com um viés pentecostal, que dá dinheirinho e proteção aos fiéis mas não pede renúncia e ascese e que não joga ninguém no inferno.

Falam de Buda mas não se submetem ao Dharma, desprezam os códigos morais budistas, inventam centenas de desculpas para terem uma vida desviada do Caminho de Buda e se justificam da mesma forma que os cristãos moles.

Falam de “tradição” e ficam arrotando sobre o que é “belo e moral”, sobre o que é “ínclito” etc., mas têm vidas desregradas, sem nenhuma adesão firme a qualquer código de conduta, preferindo justificar sua vida de desregramento e de vulgaridade com sua “revolta” contra o mundo moderno e com o papo furado de “Tradição primordial” e suas tergiversações inócuas e estéreis.

Toda essa relativização, todo esse discurso de pluralidades (que tem por objetivo relativizar qualquer preceito ou raciocínio) só serve para adoçar os debates inúteis dos intelectualóides do mundo acadêmico que fingem produzir algum conhecimento efetivo quando, na verdade, só estão utilizando uma linguagem arrevesada e tortuosa para deslumbrar os néscios e para confundir aqueles cujo conhecimento é raso e frágil.

Dizer que a utilização da razão é um “dogma” como os outros é uma das mais conhecidas falácias que existem. Os pressupostos da razão são inversos aos dos dogmas. O dogmático crê por ser o dogma uma “verdade revelada”, “verdade” essa para a qual ele não deve voltar qualquer lente investigativa. Ele crê por ter sido proclamado assim, por ter sido promulgado dessa maneira por alguma autoridade que ele julga superior a si próprio. A razão, ao contrário disso, deve investigar cada proposição, cada enunciado, e deve confrontar a todos eles com os elementos da prova e através do método. O método é falho? Sim, é falho, mas é o que de mais confiável temos.

O Dharma Budista é um método investigativo. Cada enunciado deve ser avaliado e testado. O Abhidharma, extenso e complexo sistema de classificação e definição filosófica, dá os instrumentos necessários para que se possa compreender, através da razão e da lógica, o que os textos do cânone querem dizer. Não é uma crença ou uma imposição dogmática. Há uma lógica, um sistema próprio de pensamento baseado na experiência de gerações e gerações de praticantes ao longo de 2000 anos.

O caráter “fechado e cerceador” é, na verdade, a certeza em contra-posição à crendice e à superstição. De um lado, o besteirol holístico e relativista. Do outro, um sólido sistema filosófico.

5 comentários:

  1. Olá Sandrão
    Olá prezado mestre reverendo Dharmananda,

    No jogo da maiêutica de Sócrates à fase de ironia se sucede a de síntese, se minha paráfrase não extrapolar. Gosto de jogos intelectualóides e estou certo de que nossas diferenças de ponto de vista não comprometem (ou não deveriam comprometer rs) nosso respeito mútuo, mas apenas refinam nosso conhecimento e retórica e nos faz refletir sobre nossos pensamentos. Sendo assim, e sem ter sistematizado melhor meu pensamento que está em formação, vamos lá.
    Também penso que a realidade condiciona nossas percepções. A gravidade existe e não podemos voar. Saltar de um prédio afirmando o contrário é imprudente.
    Porém relativizo a realidade: a) ela não é estática, mas mutável. As regularidades que encontramos sobre certo enfoque deixam de existir sobre outro. Por exemplo: o tempo já foi considerado linear e único. Depois os historiadores perceberam que haviam tempos distintos e superpostos quando foram estudar a história dos preços ou do Mediterrâneo. A luz é compreendida como partícula, mas também apresenta características de ondas. A gravidade atrai todos os corpos do mesmo jeito, mas como ela não existe isoladamente, as plumas caem com uma velocidade diferente das bolas de boliche. A complexidade de nossos sistemas teóricos, a tentar esterilizar a realidade para melhor conhecê-la, não dá conta de toda sua complexidade em vida.
    b) a realidade não é a mesma para todos os povos e tempos. Não se trata de um mesmo continuum que é repartido, classificado e nomeado diferentemente pelas diferentes culturas, isto é, de um simples arranjo terminológico. Nosso mundo é lingual. Para os seres humanos os limites do mundo são também os limites da linguagem. É claro que os seres humanos surgem no quaternário e que havia realidade antes deles, porém a percepção humana do mundo é uma construção social, ou seja, não nascemos prontos, cônscios da realidade que nos cerca, mas aprendemos a compreendê-la segundo um filtro cultural que nos faz enxergar o mundo de certa maneira. Por isso há tantos “choques culturais” entre os povos, na medida em que percebemos que nossos valores e ideias não são naturais, mas construídos. É claro que existe diferenças objetivas na realidade que reclamam ser reconhecidas, porém soluções diferentes são encontradas para essas diferenças. Dessa forma, os estadunidenses classificam as pessoas em branco e preto, enquanto nós brasileiros reconhecemos os morenos e, objetivamente, se colocarmos essas pessoas ao lado do branco e do preto, fica óbvio que não nem brancas nem pretas, a despeito de assim a classificarem.
    Com este último exemplo, implico que a despeito das pessoas conhecerem (porventura ou não) realidades objetivas, a vivência delas não se explica nessa lógica cartesiana. Podemos considerá-las antiquadas e ensiná-las (ou obrigá-las) a serem “coerentes” ou podemos questionar o que se entende por coerência e, consequentemente, nossa própria ideia de lógica.
    Sendo assim, fogueiras queimam, mas é frequente o caso de pessoas que, mesmo sabendo do fato, se queimam em fogueiras por agirem de forma descuidada ou mesmo por algum valor simbólico (ritual de andar sobre brasas). A valoração da realidade é inerente à realidade e esta valoração não é a mesma em todos os povos e tempos. Talvez faça sentido para alguém queimar seu próprio corpo em protesto, a despeito de um possível instinto de sobrevivência inerente à pessoa. Isto é, ir contra à gravidade ou se queimar pode ser lógico à alguém que orienta suas ações por valores, apesar de ser considerado estupidez para alguém que oriente suas ações por uma relação custo/benefício, que a auto julga racional segundo seus próprios valores reconhecidos positivamente pelo círculo em sua volta, ainda que, talvez, esse reconhecimento seja escamoteado por hipocrisia.

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  2. Lembro de uma história, acho que entre o povo Azande, em que um celeiro cai sobre um nativo. Ele diz que foi bruxaria, ao que o antropólogo responde que não, que o celeiro estava velho e cheio de cupim, que era certo que iria desabar, e o nativo contrargumenta: Mas bem naquele momento e em cima de mim?

    Por outro lado, (na verdade no mesmo sentido), é inegável que o progresso científico tem sido construído com base num conhecimento empírico colocado à prova. Temos celulares, aviões etc. No entanto, talvez o progresso científico fosse maior se considerado interpretações não canônicas ou racionalidades diferentes para solucionar um mesmo problema. Os pacientes gripados apresentam coriza, mas talvez a coriza seja sintoma de outras doenças também e a gripe não é sempre a mesma,mas um vírus em mutação. Se ignorarmos as mutações da natureza ou sua diversidade, faremos o que os médicos de hoje fazem, isto é, ao substituírem os curandeiros que prometiam uma cura incerta os médicos de hoje não prometem cura nenhuma, mas o melhor tratamento, que, conforme demonstra o genial DR. House, por vezes se mostra ineficaz se realizado canonicamente. Além disso, a ciência incorporou muito do conhecimento do senso comum, que viveu milhares de anos sem a ciência, e muitas vezes a ciência apenas refinou o conhecimento do senso comum ou se utilizou dele para sua imaginação teórica ou hipotética. Ainda, o conhecimento do senso comum de hoje é mais douto do que no passado, visto que a ciência, não se restringindo à sua torre de marfim, tem, através dos centros educacionais por exemplo, se disseminado entre o povo. Por fim, a ciência de hoje tenciona ser superada pela ciência de amanhã, e as revoluções científicas acontecem quando nossos paradigmas sofrem uma sobrecarga de relativizações e contradições.

    Já os sistemas religiosos, penso, em geral são absolutos e autoconfiantes em seus preceitos. Não desejam ser superados, e quando acumulam contradições ou relativizações, ou formam uma seita ou excomungam a fonte delas ou as sublimam. Porém, a comunidade científica é formada por cientistas, que só aceitam membros bem informados ou só valorizam aqueles que demonstram competência ou quase isso. Porém, as comunidades religiosas se beneficiam de que seus membros muitas vezes aderem por motivos emocionais ou estéticos, e sequer conhecem a doutrina onde congregam, o que impede críticas, relativizações ou contradições.

    Pergunto-me também até que ponto a auto percepção não é condicionada pelos demais, pelas instituições (família, amizade, escola, religião etc.). O que em nós é realmente genuíno? É claro que entre os humanos, apenas nós temos razão (ainda que os animais tenha lá sua racionalidade, senão todos, aqueles mais próximos), idioma (ainda que os animais tenham linguagem) e instituições. Mas entre os humanos, entre nós, o que há de realmente genuíno que não foi condicionado pelo meio em que vivemos? Creio que deve haver algo, mas é tênue a linha e difícil precisar, penso eu.

    Desconheço o complexo sistema religioso-filosófico da religiões indianas, mas em relação à sabedoria, ao conceito dela, penso que varia de acordo com as religiões ou contextos econômicos e políticos também.
    ***
    Nossa vontade não é capaz de mudar a realidade. Pelo menos não prontamente. A despeito que não querer guerras entre judeus e palestinos elas continuam existindo. Porém, penso que influencio, ainda que minimamente, microscopicamente nisso. Há outros casos mais interessantes, por exemplo, aqueles em que uma pessoa fingindo ter certa doença, acaba mesmo por desenvolvê-la (claro que isso não se aplica à todas as doenças, mas tem um livro do Baudrillard chamado, se não me engano, Simulacros alguma coisa que fala sobre isso). O comunismo era uma ideia e teve consequencias reais em sua tentativa de execução. Enfim, alguns monstros viram realidade, sejam comunistas ou capitalistas rs.

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  3. ***
    A análise da realidade não é motivado por ressentimento. Pode ser também. Quando digo isso, refiro-me à minha leitura sobre o livro Genealogia da Moral de Nietzsche, que me parece ressentido e sobre o post passado, que se contrapõe a um apóstolo (cristão obviamente) para denunciar ou detrair algo que, presumivelmente, antes lhe fazia sentido e hoje não faz mais, que em sua experiência atual, hoje considera os antigos preceitos como dependência, impotência, castração, perniciosos sofismas, ilusões e ignorância, sem comentar de modo afirmativo sobre a beleza de se estar sem o véu, nesse sentido... Algo sentido de novo, ainda que em memória, e que causou mágoa, como quando o Cazuza canta:”eu vou dar o meu desprezo, a você que me ensinou, que a tristeza é uma maneira de a gente se salvar depois”.

    Também concordo que Aristóteles e Platão não eram iluministas positivistas, porque seria muito anacrônico. Concordo também que não necessariamente influenciaram o positivismo ou o iluminismo.

    Discordo que Cristo recomende a ascese de se internar num mosteiro. Pode assim o ser para quem assim lhe fizer sentido. As interpretações são inúmeras. Quanto ao “dinheirinho”, acho que Marx tinha certa razão quando falava que a economia determinava as demais instituições da sociedade, de modo dialético é claro.

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  4. Com relação às pessoas de conhecimento raso e frágil, não sei se são tão influenciáveis assim. Às vezes penso que os instruídos são mais facilmente manipuláveis quando se prendem em monismos, o que é comum. Além disso, penso que não há maneira de se evitar influências e que isso nem seria bom e que uma arbitragem correta sobre que influências devem ter livre circulação é temerosa, ainda que possa ser benéfica.

    Quanto aos sistemas filosóficos, os solídos e gerais me agradam enquanto literatura. Mas gosto mais daqueles que não se fazem mais nos moldes de tratados e dogmáticas. Prefiro aqueles de vôo mais raso e empírico, com base na observação artesanal e delongada in loco. Aqueles que se generalizam em sua especificadade. Aqueles que dizem mais respeito de tudo, por se tratar de um caso específico. Como reconhecer mais da natureza humana num personagem específico de Irmãos Karamazov do que na história da sexualidade de Foucault. Os grandes vôos tem uma distensão com a realidade vivida.
    ***
    Eu prefiro o conhecimento aberto, à constante demonstração. O conhecimento pontual sobre dado caso. A releitura desse conhecimento sobre novo viés. Novas abordagens, desenvolvimentos, métodos etc.

    Saudações e obrigado por tirar um tempinho e se entreter comigo,

    Alisson

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  5. "Eu prefiro o conhecimento aberto, à constante demonstração. O conhecimento pontual sobre dado caso. A releitura desse conhecimento sobre novo viés. Novas abordagens, desenvolvimentos, métodos etc."

    Mas isso só existe se você por de lado o relativismo, uma nova abordagem depende de uma abordagem anterior e de evidências que de forma contundente possam construí-la. Especulação vazia só gera escravidão e sofrimento. Uma visão relativista da realidade destrói a possibilidade de construção, pois não há luta nem debate entre visões opostas (todas são válidas) e nem busca pela verdade (não há verdade) e isso engendra um estágio de doença da alma, uma desculpa para poder falar qualquer coisa sem dar as satisfações do porquê.

    Nem positivismo nem relativismo. O cristianismo secularizado é pai dessas bizarrices, a via apofática e catafática secularizadas.

    Devemos parar de usar artifícios poéticos, científicos e literários para justificar nossa impotência e covardia frente à verdade, devemos ter fidelidade à terra e amar a totalidade da vida, aprêende-la e buscá-la, os relativistas cansaram da corrida, os positivistas pegaram um punhado de terra e acham que conseguiram pegá-la, mas os buscadores ainda estão correndo atrás dela.

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