E o resumo do Sutra do Lótus continua com o capítulo 3. Como e a quem se deve pregar o Dharma?
Capítulo 3 – A Parábola dos Meninos Salvos do Incêndio
Parte 1 – Conversão de Shariputra
Depois das últimas palavras do Bhagavant sobre o Veículo Único,
Shariputra externa sua alegria por perceber-se livre da ignorância;
expondo como sua vida errante tornou-se correta, consciente,
agradável e moral. Shariputra reconhece-se como o iminente Tathagata
Padmaprabha (Resplendor do Lótus), o qual, anunciado por Shakyamuni,
deverá pregar o Dharma e constituir uma Sangha próspera. Buda,
então, afirma que Padmaprabha preanunciará um outro Tathagata
chamado Padmavrishabhavikramin (De grande heroísmo e o melhor do
lótus), que garantirá a firme conduta da Comunidade após a
extinção de Padmaprabha. O Bem Encaminhado ainda “prevê” que
esta fase de prosperidade da Sangha não perdurará para sempre, pois
a Verdadeira Doutrina será “substituída” pela “falsa
aparência do Dharma”. Shariputra, ao ouvir a “profecia”, toma
consciência de sua responsabilidade e pede ao Buda permissão para
pregar e esclarecer os monges.
Concluindo essa parte, abro aqui um parêntesis: será que não
estaríamos vivendo um destes períodos de declínio (falsa
aparência) em que o materialismo e o relativismo moral (em que tudo
é justificável) têm prevalecido não só na sociedade, mas também
nos meios religiosos?
Parte 2 – A Parábola dos Meninos Salvos do Incêndio
Buda propõe uma parábola a fim de orientar Shariputra a utilizar-se
da Habilidade dos Métodos (conceito discutido no capítulo 2) para a
propagação do Dharma.
A parábola conta a história de um pai - dono de uma grande casa de
madeira, suja e de estrutura podre com teto de palha - que percebendo
um incêndio em seu imóvel, tenta salvar seus filhos que ali
brincavam. As crianças, mesmo em meio ao fogo, não notavam o perigo
e continuavam a brincar e rir. O homem até pensou em pegá-las nos
braços e retirá-las dali, porém a inquietude dos jovens e a
estrutura da casa o impediam de assim proceder, frente a esta
impossibilidade, começou a chamá-los, porém em vão; seus filhos
continuavam a brincar, não compreendiam nem mesmo o significado da
exclamação “está se incendiando”.
A dificuldade fez o homem pensar em algum meio para resgatar seus
queridos. Como conhecia os pensamentos e as inclinações destes,
resolveu dizer que os brinquedos mais divertidos estavam do lado de
fora da casa. A “técnica” funcionou todos deixaram a casa
rapidamente.
Vendo seus filhos a salvo, o homem muito se alegrou, entregando aos
jovens não os “brinquedos prometidos”, mas carruagens muito mais
opulentas e belas; veículos dotados de bastante velocidade e força,
todos de uma mesma cor e de um mesmo tipo, não mais puxados por
cabras ou cervos como eles imaginavam, mas somente por bois. O homem
assim agiu devido ao sentimento de equanimidade com seus
descendentes, e estes, por sua vez, se sentiram deslumbrados com os
presentes.
Terminada a parábola, o Bhagavant pergunta a Shariputra se o homem
houvera mentido às crianças. Shariputra responde que não, pois se
não tivesse empregado o meio hábil, as crianças teriam morrido e
não teriam sido presenteadas. Pois com a salvação da vida as
crianças na realidade receberam “todos os brinquedos”. Com
efeito, mesmo que o homem não tivesse dado nada para as crianças,
as teria salvo do sofrimento, do que por si só seria um grande
ganho; porém, mais do que isso, as presenteou com as carruagens,
todas de um mesmo tipo e cor.
Parte 3 – Explicação e Aplicação da Parábola
O homem simboliza o Tathagata, o Perfeitamente Iluminado, “livre
de todo temor, libertado de tudo, em tudo, de todas as formas, de
todo infortúnio, desespero, aflição, sofrimento, desalento, da
obstrução produzida pelo véu da cegueira proveniente da treva e da
obscuridade da ignorância. O Tathagata está dotado das Qualidades
Especiais dos Budas: o Conhecimento, a Força, a Confiança em Si
Mesmos […] possui a Grande Compaixão, é de mente incansável, é
benevolente, compassivo” (página
154 – K77). O fogo é o sofrimento e o desalento; os seres
submetidos ao fogo encontram-se atormentados pelo nascimento,
velhice, enfermidade e morte, pela dor, lamento, apegados aos
prazeres sensuais, experimentam a decepção e acabam recaindo nos
mundos inferiores. Submetidos a esta 'casa incendiada', não percebem
o estado em que estão, “se regozijam, saltam de um lado para o
outro […] golpeados por essa grande massa de sofrimento, não fazem
surgir a ideia de voltar sua atenção para o sofrimento”
(página 154 – K78).
O Tathagata quer salvar seus filhos do sofrimento para que gozem de
felicidade e obtenham o Conhecimento próprio dos Budas,
libertando-os das delusões. O Buda não precisa usar de força, pois
ele tem a Habilidade dos Métodos, que quando empregada liberta os
seres dos Três Mundos (raiva, ganância e ignorância),
oferecendo-lhes magníficos e grandes veículos. Para que as crianças
deixem a casa, o Tathagata primeiramente oferece os Veículos
provisórios (Sharavakas, Pratyekabuddhas e Bodhisattvas) dizendo
assim:
“Não vos regozijeis nos Três Mundos, semelhantes a uma casa
incendiada, com as formas, os sons, os odores, os sabores, os
contatos, de tão escasso valor. Regozijando-vos nestes Três Mundos,
estais ardendo, sois atormentados, sois torturados pela sede do
desejo pelos cinco tipos de objetos dos prazeres sensuais. Escapai
desses Três Mundos! Conseguireis os Três Veículos: O Veículos do
Sharavakas, o Veículo dos Pratyekabuddhas e o Veículo dos
Bodhisattvas! […] aplicai-vos neles para encontrar a saída dos
três mundos […] com eles vós brincareis, gozareis e vos
divertireis imensamente. Com as Faculdades e Poderes, com os
Elementos constitutivos da Iluminação, com as Meditações, as
Liberações, as Concentrações da Mente, [assim] estareis dotados
de grande felicidade e alegria” (página
155 – K79).
Os Três Veículos provisórios são utilizados em vista da própria
realização e do próprio Nirvana. Já a carruagem adornada com
joias, ou seja, o Grande e Único Veículo, é dado aos filhos para
que estes atinjam o Conhecimento, Força e Confiança em Si Mesmos,
com o intuito de buscarem, antes da realização pessoal, o Nirvana
Supremo de todos os seres. O Tathagata procede desta forma porque
respeita a capacidade de seus ouvintes, se pregasse diretamente o
Veículo Único, não salvaria seus filhos das chamas do sofrimento.
Assim, os Veículos Provisórios são apenas uma primeira etapa, a
libertação do apego pelo entendimento das Quatro Nobres Verdade,
contudo, há ainda um outro degrau a subir, a Suprema Iluminação.
Na reiteração da parábola em versos é possível vislumbrar outros
detalhes sórdidos da casa de madeira, como excrementos, odores,
fantasma famintos, animais peçonhentos e demônios assombrando
lugar, todos representando os Mundos Inferiores e os sofrimentos.
Parte 4 – A quem se deve pregar ou não o Sutra do Lótus
Encerrando o capítulo, Buda orienta Shariputra a selecionar quem
merece ou não ouvir o Sutra.
O Sutra não deve ser pregado aos arrogantes e orgulhosos, que não
desejam a Disciplina e que teimam em dizer que o prazer sensual é o
significado de suas existências. Aqueles que desprezarem o Dharma e
agredirem os monges cairão no Inferno de Avichi, renascerão como
animais esquálidos, incapazes de domar seus instintos e serão
objeto de zombaria e repugnância. Quando renascem como homens,
nascem mutilados e coxos, corcundas tortos e apáticos. Apresentam
mau hálito, odor e chagas, são servos de outrem; não se curam
nunca de suas enfermidades e, por isso, não conseguem jamais
discernir o Dharma. Vivem no Inferno e acreditam que não há outro
modo de vida além do que habitualmente exercem. Não enxergam a
impermanência e a inconstância dos fenômenos, acreditando em
conceitos de eternidade da alma.
Todos estes malefícios não devem ser interpretados como maldições.
Na realidade, os infortúnios são meramente consequências das
próprias ações (karma) dos seres que se afastam da Sabedoria.
Por outro lado, o Sutra do Lótus deve ser ensinado aos “inteligentes
e instruídos, dotados de autoconsciência”, propensos em fazer o
bem e agir moralmente. Aquele que tiver este espírito virtuoso,
receberá o Sutra e será encaminhado à Suprema Iluminação.
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