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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Os 10 Preceitos Maiores dos Bodhisattvas (do Sutra Brahmajala / Bonmōkyō)

O Sutra Brahmajala (sct.), 梵網經 Fàn wǎng jīng (ch.), Bonmōkyō (jp.), ou Sutra da Rede de Brahma (pt.), traduzido por Kumarajiva no ano 406 EC, estabelece os preceitos que devem ser seguidos pelos bodhisattvas, ou seja, os seguidores do Budismo Mahāyāna e ofereceu os alicerces para que Saicho estabelecesse a tradição Tendai no Japão. Desde que surgiu o interesse pelas regras monásticas, o Budismo japonês esteve ligado a elas através dos 10 maiores e 48 menores preceitos dados neste sutra. Tomando tal fato isoladamente, é óbvio que esse sutra exerceu considerável influência no desenvolvimento do Budismo no Japão. Os 'Preceitos Mahāyāna' descritos nesse trabalho e conhecidos também como 'Preceitos da Rede de Brahma', são caracterizados por não fazer distinção entre seguidores leigos e monges, afirmando que todos os seguidores do Budismo devem observar as mesmas regras.

Esse sutra é de extrema importância na China e Japão como fio condutor no estabelecimento dos preceitos que devem ser observados no Budismo Mahāyāna.

É comum a gente ouvir muita baboseira sobre Budismo, e uma delas é a de que não haveria regras de conduta moral. Sendo assim, traduzi - diretamente do texto original em chinês clássico, legado de Kumarajiva no século V - os dez preceitos maiores, as principais regras de conduta do bodhisattva. No fim do texto consta a referência no cânone para todos aqueles que quiserem conferir. Espero que seja um trecho esclarecedor e que enriqueça não só a vida dos leitores, mas também a minha própria.

Upasaka Pundarikakarna

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1, "O Buda disse, 'Um filho do Buda[1] não deve desejar matar, instigar a matança, nem matar diretamente, permitindo o surgimento do prazer pela morte de alguém, nem desejar matar através de maldições, criar causas ou condições de mortes ou métodos de matança. Não deve matar nenhum ser intencionalmente. Em vez disso, o bodhisattva deve fazer surgir em si uma mente que permaneça na compaixão, com coração respeitoso e obediente. Seus meios hábeis são para salvar e proteger a todos os seres fenomênicos. Se, em sua mente, busca desculpas para obter prazer tomando a vida de outros, esse bodhisattva comete uma ofensa pārājika[2].'

2. 'Um filho do Buda não deve roubar de alguém, nem instigar outros a roubar, nem roubar através de meios hábeis, nem criar causas de roubar, ou métodos de roubo. Não deve roubar através de encantamentos. Não deve roubar o que pertence nem a um fantasma, nem ao governante e nem a um ladrão, mesmo que seja uma agulha ou um fiapo de grama. Não deve roubar a nenhum ser intencionalmente. Em vez disso, deve fazer surgir sua natureza búdica, cultivar a piedade filial e ter um coração compassivo, sempre ajudando todos aqueles nascidos como humanos a atingir a verdadeira felicidade. Se diferente disso, ele rouba os bens de outra pessoa, esse bodhisattva comete uma ofensa pārājika.'

3. 'Sendo um filho do Buda, você não se deve envolver em má conduta sexual nem instigar esse mau comportamento relacionado a nenhuma mulher. Não se deve intencionalmente se comportar de tal maneira. Não se deve criar causas da má conduta sexual, nem condições para tal ação relacionada com animais, mulheres, deuses, fantasmas ou parentes. Engajar-se em conduta sexual aberrante ou adultério é um caminho errôneo. Um bodhisattva deve fazer surgir uma mente de respeito e obediência, guiando todos os seres fenomênicos ao estado de pureza. Se ele insiste no contrário, tendo má conduta, não diferenciando animais de sua mãe, irmãs ou os seis tipos de parentes[3], envolvendo-se em conduta sexual aberrante ou adultério, terá uma mente incapaz de ser compassiva e esse bodhisattva terá cometido uma ofensa pārājika.'

4. 'Sendo filho do Buda, você não deve usar proferir palavras enganosas, instigar outros a enganar ou proferir palavras enganosas através de meios hábeis. Não deve criar causas nem condições de engano através das palavras. Não deve dizer que viu o que não viu, nem que não viu o que viu. Não deve sugerir o engano nem através do corpo e nem através dos pensamentos. Ao contrário, o bodhisattva deve permanentemente fazer brotar a fala correta e a visão correta em si mesmo, incentivando o mesmo a todos os seres fenomênicos. Se em vez disso ele os influencia à fala enganosa, visões enganosas e atos enganosos, esse bodhisattva terá cometido uma ofensa pārājika.'

5. 'Sendo um filho do Buda, você não deve vender bebidas alcoólicas, nem encorajar outros a compra-las ou vende-las. Não deve criar causas nem condições da venda de bebidas alcoólicas de nenhum tipo, pois tais bebidas são origem da prática de tantos erros e ofensas. Ao contrário, o bodhisattva deve incentivar todos os seres fenomênicos à clara percepção da sabedoria. Se em vez disso ele os incentiva a ter um coração confuso, esse bodhisattva terá cometido uma ofensa pārājika.'

6. 'Sendo um filho do Buda, você não deve divulgar as faltas cometidas dentro da comunidade, sejam as cometidas pelos bodhisattvas leigos, monges ou monjas. Não deve divulgar os erros aos outros, nem criar causas ou condições para que sejam divulgados, nem origens, nem ações nesse sentido. Ao invés disso, o bodhisattva que ouvir insanidades daqueles que acreditam que o nirvana é a meta final e dos maléficos aderentes do eternalismo e niilismo, dizendo no meio da comunidade budista, coisas que vão contra os preceitos e ensinos, deve constantemente fazer surgir um estado mental piedoso, guiando aquelas pessoas maldosas a uma confiança na bondade do Mahāyāna. Se o bodhisattva, diferente disso, divulga as faltas cometidas no meio da comunidade budista, esse bodhisattva terá cometido uma ofensa pārājika.'

7. 'Sendo um filho do Buda, você não deve louvar a si mesmo e depreciar a outros, nem ensinar ninguém a louvá-lo e depreciar a outros. Não deve criar causas, nem condições, nem origem, nem ações de depreciação de outros [para ser exaltado]. Um bodhisattva, em vez disso, deve ceder seu lugar aos seres fenomênicos, suportando a difamação e a vergonha e passando adiante os elogios. Se, pelo contrário, ele exalta seus próprios atributos e oculta o bem alheio, causando calúnia e difamação de outros, esse bodhisattva comete uma ofensa pārājika.'

8. 'Sendo um filho do Buda, você não deve ser mesquinho e avarento, nem ensinar ninguém a ser assim. Não deve criar causas, condições, origem nem ações de mesquinhez e avareza. O bodhisattva deve olhar por todos, sejam pobres ou mendigos e doar conforme a necessidade de cada um. Se o bodhisattva, através de pensamentos maléficos e má vontade, se nega a doar uma moeda, ou que seja uma agulha ou um fiapo de grama, ou quando se nega a proferir uma frase, verso ou uma palavra do Dharma a alguém que pergunta, em vez disso, difamando e caluniando aquela pessoa, esse bodhisattva comete uma ofensa pārājika.'

9; 'Sendo filho do Buda, você não deve odiar nem instigar alguém a sentir ódio. Não deve gerar causa, condição, origem, nem ação que guie ao ódio. Sendo um bodhisattva, deve-se incentivar os seres à produção de raízes de bondade, sem desejo de contenda, dando surgimento constante a uma mente piedosa. Se diferente disso, ele profere insultos aos seres, sejam sencientes ou não, se faz uso de socos, espadas, bastões e não se acalma, mesmo depois da pessoa em questão pedir desculpas educadamente, não sendo compreensivo, esse bodhisattva comete uma ofensa pārājika.'

10. 'Sendo filho do Buda, você não deve vilipendiar as Três Joias, nem incentivar outros a vilipendiarem as Três Joias, não deve ser causa, nem condição, nem origem, nem ação de difamação das Três Joias. Um bodhisattva, quando vê um não-Budista ou uma pessoa maléfica proferir uma única palavra que venha a ofender as palavras do Buda, se sente como se trezentas lanças traspassassem seu coração. Quanto mais sentiria se ele próprio proferisse tais ofensas, impedindo assim o surgimento de uma mente confiante, respeitosa e obediente. Se diferente disso, ele colaborar com as pessoas maléficas e com aqueles que sustentam visões errôneas na difamação, esse bodhisattva terá cometido uma ofensa pārājika.'" (Sutra Brahmajala, T1484_.24.1004b16-1005a15)

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[1] Alguns dicionários e comentários apontam que neste texto a expressão 佛子 filho do Buda se refere a um bodhisattva, aquele que compreendeu que todos os seres podem tornar-se budas, pois todos são dotados da mesma natureza fundamental, logo, surgem como manifestações dessa natureza.
[2] 波羅夷罪 (transliteração escolhida por Kumarajiva para a palavra sânscrita), pārājika refere-se a uma falta que demanda a expulsão do membro da comunidade budista, seria o tipo mais grave de falta.
[3] Pai, mãe, irmãos mais velhos e mais novos, esposa/marido, filhos.