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sábado, 5 de janeiro de 2013

O Vazio e o Sentido da Vida segundo Nishitani



Keiji Nishitani (1900 – 1991) foi um filósofo japonês da Escola de Quioto e discípulo de Kitaro Nishida. Defendeu tese em 1924 com a dissertação: “O Ideal e o Real de Schelling e Bergson”. Entre 1937 e 1939 estudou em Freiburg sob orientação de Martin Heidegger.

Keiji Nishitani

Nishitani, fundamentando-se em seus mestres, desenvolveu a ideia do ponto de vista do vazio. O filósofo via esse ponto de vista não como uma perspectiva à qual se pode aceder sem esforço, mas como a realização de um encontro disciplinado e radical com a dúvida. O longo embate com o niilismo por trás disso estava longe de ser meramente acadêmico. Como jovem que ainda não chegara aos vinte anos de idade, ele caíra num profundo desespero no qual "a decisão de estudar filosofia era, por mais melodramática que pudesse soar, uma questão de vida e morte para mim". Esse viria a ser o próprio ponto de partida de sua descrição da busca religiosa: "Nós nos tornamos conscientes da religião como uma necessidade, como uma obrigação para a vida, somente no nível da vida em que tudo mais perde sua necessidade e utilidade".

Para Nishitani, o lado perverso, trágico e sem sentido da vida é um fato inegável. Mas trata-se de mais que um mero fato: ele é o embrião do senso religioso. O significado da vida é colocado em questão inicialmente, não pelo sentar-se para refletir sobre ele, mas pelo ser capturado nos acontecimentos que estão fora de nosso controle. Em geral, enfrentamos essas dúvidas nos refugiando nas formas de consolo disponíveis - racionais, religiosas ou de outros tipos - que todas as sociedades oferecem, para proteger a sanidade coletiva.

O primeiro passo para a dúvida radical está em permitir encher-nos tanto com ansiedade, que mesmo a frustração mais simples pode se revelar como um sintoma da falta de sentido radical, no centro de toda a existência humana. A seguir, compreendemos que esse senso do absoluto está ainda centrado no humano e é, dessa forma, incompleto. Então cedemos completamente à dúvida e a tragédia da existência humana se revela como um sintoma de todo o mundo do ser e do devir. Nesse ponto, diz Nishitani, é como se um grande abismo se abrisse a nossos pés em meio à vida normal, um "abismo de niilismo".

Filosofias inteiras foram construídas com base nesse niilismo e Nishitani se lançou de "corpo e alma" no estudo delas, não a fim de rejeitá-las, mas sim de encontrar a chave para o que ele denominava a "auto-superação do niilismo". Devemos permitir que a percepção do niilismo se desenvolva na consciência, até que toda a vida se transforme num grande ponto de interrogação. Somente com esse ato supremo de negação do significado da existência, de forma tão radical que nos tornamos a negação e somos consumidos por ela, é que surge a possibilidade de uma superação dele. A libertação da dúvida que simplesmente nos transporta para longe do abismo da falta de sentido, de retorno a uma visão de mundo na qual as coisas voltam a fazer sentido, protesta Nishitani, não é libertação de forma alguma. O niilismo em si mesmo, em sua negação absoluta, tem que ser enfrentado diretamente, para ser possível percebê-lo como relativo à consciência e experiência humanas. Nessa afirmação, a realidade revela seu segredo do vazio absoluto, que restabelece o mundo do ser. Ou, nos termos filosóficos que ele utiliza, "o vazio poderia ser denominado o campo da 'ser-ificação' em contraste com o niilismo, que é o campo da 'nadificação'.

Em outras palavras, para Nishitani a religião não é tanto uma busca do absoluto, como um dos elementos que constituem a existência, mas antes, um aceitação do vazio, que envolve todo este mundo inteiro do ser e do devir. Nessa aceitação - uma "apropriação plena" - a mente se ilumina de forma tão fulgurante quanto a mente pode se iluminar. A realidade, que é vivida e morta por todas as coisas que vêm a ser e perecem no mundo, é realizada e compreendida no sentido mais pleno: nós participamos da realidade e sabemos que somos reais. Esse é o ponto de vista do vazio.

Sendo um ponto de vista, ele não é tanto um terminus ad quem quanto um terminus a quo: a introdução de um novo modo de olhar para as coisas da vida, um novo modo de valorizar o mundo e reconstruí-lo. Toda a vida se torna, diz ele, uma espécie de "dupla-exposição" na qual podemos ver as coisas exatamente com elas são e, ao mesmo tempo, vê-las em sua relatividade e transitoriedade. Longe de amortecer nosso senso crítico, esse ponto de vista o reforça. No caso da ciência, do ponto de vista do vazio, a atual obsessão pela explicação e pelos fatos se revela naquilo que ela é: uma sacralização do sujeito soberano que deliberadamente sacrifica a realidade imediata de seu próprio eu verdadeiro, à ilusão do conhecimento e controle perfeitos. Personificar ou humanizar o absoluto, dominá-lo dogmaticamente, mesmo com os dispositivos mais avançados e as teorias mais confiáveis, é, no melhor dos casos, uma cura temporária para o perigo perpétuo de ser esmagado pelo niilismo. Somente um "misticismo do cotidiano", um viver-no-morrer, pode colocar nossa existência em sintonia com a textura vazia do absolutamente real.

Em geral, pode-se observar, Nishitani dava preferência ao termo vazio em contraposição ao "nada absoluto" de seu mestre Nishida, em parte porque o glifo correspondente em chinês, o caractere habitual para céu, captura a ambiguidade do vazio-na-plenitude por ele visada. Nesse ver, que é ao mesmo tempo um compreender, somos libertados da egoidade centrípeta do eu para o ex-stasis do eu que não é um eu. Isso, para ele, é a essência da conversão religiosa.

Enfim, para Nishitani, a libertação do niilismo não está em nenhum dos refúgios oferecidos pela sociedade, mas sim na percepção do vazio, que é conseguida através de uma intensa luta contra o lado perverso, trágico e sem sentido da vida. O ponto de vista do vazio é a perspectiva que releva a insubstancialidade de tudo o que acreditamos ter propriedade em si mesmo, ou seja, é o prisma que não nega a realidade das coisas, mas que ao mesmo tempo aponta para os ilusórios conceitos de "entes separados" ou de um "eu-permanente".

Fontes: A Espiritualidade Budista 2 e pesquisas pela internet.

Um comentário:

  1. Sandro,

    O texto é fabuloso e profundo. No entanto, pense que, a título de divulgação de idéias, pouquíssimas pessoas poderão entendê-lo ou, sequer, conseguirão ler até o final.
    Textos densos como este são considerados "chatos" por muita gente. Por isso, seria interessante você fazer uma releitura do mesmo, explicá-lo com suas próprias palavras em uma linguagem mais simples, mais acessível. Isso faria com que mais gente visitasse seus textos.
    Um abraço !

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