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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A Atenção Plena



O objetivo da atenção plena é conhecer em minúcia o sofrimento. Implica observar calma e demoradamente tudo quanto afeta meu organismo, seja o canto de uma cotovia ou o choro de uma criança, o impacto de uma ideia engraçada ou uma dorzinha nas costas. Nós não respondemos apenas aos estímulos externos, mas também ao modo como reagimos a eles.

A atenção plena pode ter efeito benéfico sobre a psique irrequieta e nervosa. Quanto mais ela se aperfeiçoa e se aguça, mais conseguimos visualizar as fontes de nossas reações descontroladas, descobrir os primeiros sinais de ódio antes que ele se transforme em aversão e malevolência, observar, com desprendimento irônico, a tagarelice insidiosa do ego e suprimir, logo ao começo, o senso de auto degradação que pode nos deixar deprimidos.

Eu não sou o único que sofre. Você sofre também. Sofrem todos os seres animados. Quando meu eu não é mais a preocupação absorvente que era, quando passo a vê-lo como um fio narrativo em meio ao mais - então, a barreira entre "eu" e "não eu" começa a desmoronar. A convicção de que nosso eu é um recinto fechado deve ser vista não só como ilusória, mas também como antiestética. Cega-nos para as dores do mundo. Aceitar o sofrimento culmina em maior simpatia, na capacidade de sentir o que os outros devem estar sentindo - e isso é a base da compaixão e o amor sem sentimentalismos.

A plena consciência da dor não leva, porém, à morbidez e ao desespero. Quanto mais percebemos a transitoriedade das coisas, menos somos acossados pela depressão ou pelo sofrimento (que passa logo) e mais nos rejubilamos em presença das alegrias simples: o desabrochar de uma flor, o sussurro da onda na praia, o toque da mão de outra pessoa (que também logo passam). Como na grande música, teatro e literatura, o sentido trágico da vida evoca uma beleza estranha, inquietante. Um autorretrato de Rembrandt, o adagio de um dos últimos quartetos de Beethoven e as agonias do rei Lear não me deprimem, me exaltam. Tocam-me fundo, aguçam minha percepção do que significa estar vivo e não morto.

Ter consciência plena mostra-nos o quão fugaz, pungente e insegura é a nossa experiência e o quão inútil é tentar apreender, possuir e controlar as coisas. Descer ao âmago do sofrimento afeta o modo como nos relacionamos com o mundo, o modo como respondemos aos semelhantes, o modo como conduzimos a própria vida. Pois, como eu buscaria consolo duradouro em algo que, bem o sei, é incapaz de consolar? Para que iria investir todas as minhas esperanças de felicidade num projeto que, certamente, fracassaria? Aceitar este mundo de pesares desafia minha tendência inata a ver as coisas da perspectiva do desejo egocêntrico.

Fonte: Livro Confissões de um Ateu Budista

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