Prajñāpāramitā-piṇḍārtha
Breve Síntese do Prajñāpāramitā
Escrito por Dignāga no século V
Vertido para o português pelo Upāsaka Pundarikakarna no fim do outono de 2014
A Perfeição da Sabedoria é um conhecimento desprovido de dualismo, o Tathāgata é que precisa colocá-lo em atividade. O termo "Perfeição da Sabedoria" designa tanto os textos onde tal conhecimento é exposto quanto o caminho que guia à salvação, assim são ambos direcionados à mesma finalidade.
Os argumentos expostos na Prajñāpāramitā de Oito Mil Versos são os seguintes: 1) A base, ou seja, o Desperto; 2) Quais são as pessoas qualificadas a ouvirem a doutrina; 3) Aquilo que se deve fazer; 4) a meditação [direcionada à finalidade de suprimir as dez representações que distraem a mente da verdade]; 5) a classificação [dos dezesseis aspectos do vazio]; 6) a argumentação; 7) os erros, e ao fim, os benefícios.
Para encorajar os praticantes a compartilhar seus esforços, a fim de acrescentar credibilidade às coisas narradas, por algumas vezes se indica quem é aquele que ensina, quem é a assembleia que o ouve, onde e quando se expõe tal ensino.
Como regra geral nesse mundo, aquele que narra alguma coisa, ou seja, o relator, recebe crédito e confiança desde que haja testemunhas do acontecido e que se especifique o local e o momento em que as coisas narradas aconteceram.
Porém, tudo isso, como a menção ao advérbio "assim", do pronome pessoal de primeira pessoa e do verbo "ouvir" [na frase "assim eu ouvi"] são de ordem secundária. Os ensinos principais da sabedoria são trinta e dois, apenas.
Os dezesseis diferentes aspectos do vazio são expostos através da Prajñāpāramitā de Oito Mil Versos; esses devem ser considerados como explicados através de vários enunciados.
Dessa forma, os argumentos expostos na Prajñāpāramitā de Oito Mil Versos não são nem mais nem menos do que aqueles que já foram ditos antes. Por agora se deseja apenas um resumo da obra. A argumentação é aquela que já foi exposta.
AS DEZESSEIS FORMAS DE VACUIDADE
I. A vacuidade dos elementos internos
O asceta que diz, segundo a verdade: "Eu não vejo o Bodhisattva", declara dessa maneira a vacuidade dos elementos internos dos seres sencientes.
II. A vacuidade dos elementos externos
Mediante a declaração de que "a forma é vazia de natureza de forma”, se negam aqui que se localizem externamente, sensivelmente.
III-VI. A vacuidade do corpo, espaço, atributos e da própria vacuidade
Se a forma e os outros agregados não existem, percebe-se implicitamente que o corpo, deles constituído, que dele são suporte, ou seja, o mundo, e os trinta e dois outros atributos dos Despertos não existem. Nem existe, com eles, a realidade interior, através da qual se enxerga tudo.
VII. A vacuidade de uma descendência natural
Se as realidades interiores não existem, percebe-se evidentemente que também a descendência natural é vazia. A família espiritual à qual alguém pertence é constituída de conhecimento, qualificada por sua sabedoria e pela compaixão.
VIII-IX. A vacuidade infinita e a vacuidade sem princípio nem fim
Com tal declaração, a saber, de que os indivíduos nem nascem, nem se aniquilam, etc., se afirma claramente a vacuidade do indivíduo e do renascimento.
X. A vacuidade de todas as coisas
A declaração seguinte, ou seja, de que não se vê nem os atributos do Desperto, nem dos Bodhisattvas, porta consigo que mesmo as dez forças, etc. são vazias de realidade intrínseca.
XI. A vacuidade da realidade absoluta
Afirmando que as várias coisas são produzidas pela própria mente, aqui ele declara que dentre todas delas não há uma realidade absoluta [manifesta].
XII. A vacuidade da inexistência
Com a destruição de todas as formas de doutrina que afirmam haver um Eu, o Abençoado declara que a personalidade (sct. pudgala) é desprovida de realidade intrínseca.
XIII. A vacuidade da existência
Com a afirmação de que "todas as coisas são não-nascidas", o conhecedor da realidade declara que as coisas surgidas são desprovidas de realidade.
XIV-XV. A vacuidade do que é coproduzido e do não-coproduzido
Com a afirmação de que "não crescem nem diminuem, não são puros nem impuros", são implicitamente refutadas todas as coisas benéficas, coproduzidas ou não-coproduzidas.
XVI. A vacuidade do não-refutado
Se as coisas benéficas são vazias de realidade, a sua faculdade de conduzir ao nirvana é então puramente mental. E essa é a breve síntese dos vários tipos de vacuidade.
AS DEZ DISTRAÇÕES
A mente, quando por meio das dez distrações se afasta da consciência, é incapaz, assim como acontece com os ignorantes, de por em efeito a consciência da não-dualidade.
O tratado da Perfeição da Sabedoria possui, nesse propósito, o objetivo de eliminar tais distrações, através de um método baseado em tese e antítese. Tais estão aqui sumariamente expostas:
I. Distração da não-existência
O mestre assim, dizendo que "o Bodhisattva existe", dispersa a ideia de uma não-existência. Porquê? Pois mostra que, de um ponto de vista convencional, os agregados existem.
Segundo tal regra, a formulação mental de uma existência [essencial] deve ser refutada da primeira frase até a última, seja na Prajñāpāramitā de Oito Mil Versos, quanto nas outras obras do mesmo gênero.
Essas não são argumentações lógicas, em vez disso, são apenas indicações a respeito do que deve ser feito. As razões lógicas são de procurar em outras obras, como por exemplo, o Brahmajala sutra, etc.
II. Dispersões da existência
Quando ele diz "não vejo nenhum Bodhisattva" e pronuncia outras similares frequentes expressões, o Abençoado refuta o engano constituído da criação mental de uma existência real.
Como ele não vê de nenhuma maneira, nem um nome, nem reinos, nem ação, nem agregados - exatamente por isso é dito que ele não vê nenhum Bodhisattva.
Essa expressão tem apenas o objetivo de sintetizar, pela qual se compreende uma negação de toda produção mental. Cada coisa suposta como objeto de conhecimento é, de fato, imaginária, dotada de uma subsistência puramente mental.
Na Perfeição da Sabedoria, o ensinamento se desenvolve de acordo com três diversos aspectos da realidade, que são: imaginário, dependente e absoluto.
Por meio da expressão "o que não existe" e similares, é refutado o aspecto imaginário; graças então aos exemplos que comparam as coisas a uma magia, etc. é ensinado o aspecto dependente.
O aspecto absoluto[1] é mencionado através da purificação quádrupla.[2] Esse e nenhum outro é o ensinamento do Desperto sobre a Perfeição da Sabedoria.
Na série de ensinamentos que operam através da antítese às dispersões formadas pelas dez falsas produções mentais, os três aspectos são considerados enunciados separadamente e genericamente.
Na parte introdutiva da Perfeição da Sabedoria, a dispersão constituída da formação mental da existência é assim, por exemplo, refutada pelo Abençoado exatamente de acordo com tais três aspectos: absoluto, dependente e imaginário.
Dessa forma, é dito que "não se vê nenhum Desperto", ou "não há nenhum despertar", e que deve ser compreendido até o fim da obra, é o que se deseja refutar dessa forma como coisas imaginárias.
III. Dispersão baseada nas atribuições positivas
Visto que a forma é por natureza vazia de realidade, quais atribuições podem ser positivas sobre ela, onde e através de que relações? Tal refutação é naturalmente considerada válida também no caso de outras expressões.
IV. Dispersão baseada nas negações
Quando ele diz frases como "que não é vazio de vacuidade", refuta implicitamente a ideia de negação.
Pode-se afirmar a mesma coisa sobre as outras frases como, por exemplo, "o Desperto é semelhante a uma magia", ou "o Desperto é semelhante a um sonho".
É dito que o Vitorioso é semelhante a uma magia. Ambas expressões se referem, de fato, à mesma coisa. Com a expressão "semelhante a uma magia", etc., se indica precisamente o caráter dependente.
Por meio da palavra "Desperto" se pretende indicar aquele conhecimento que, por sua própria natureza é puro e também aquele nas pessoas comuns. O mesmo se aplica ao termo "Bodhisattva".
Tal conhecimento, quando sua própria natureza é ofuscada, vítima da ignorância, assemelha-se o contrário daquilo que é realmente, como uma magia e, não diferente de um sonho, não dá os frutos que parece prometer.
Essa é a refutação do pensamento de negação próprio daqueles que, havendo uma falsa ideia de tais pensamentos e de seus frutos, negam a não-dualidade.
V. Dispersão constituída de identidade
A afirmação de que a matéria e a vacuidade são uma única coisa é insustentável, já que eles se excluem mutuamente. A vacuidade é sempre dotada de algum aspecto.
VI. Dispersão constituída da diversidade
Essa é a refutação da formação mental de identidade. Dizendo que a forma não é de nenhuma maneira diferente da vacuidade, ele refuta o pensamento de diversidade.
O fato de que aquilo que não existe, ainda assim apareça, é uma criação da ignorância. A ignorância é caracterizada exatamente pela faculdade de fazer aparecer aquilo que não existe.
A mesma coisa pode, em efeito, ser chamada forma ou Perfeição da Sabedoria. A dualidade é, em verdade, apenas identidade. Isso refuta igualmente as duas formações da mente.
O Desperto explicou também as razões lógicas, que residem no fato de que as coisas são por natureza puras e transcendem por consequência a percepção.
VII. Dispersão baseada na atribuição de uma essência
A declaração de que esta forma é apenas um nome e segundo a realidade é privada de essência, tolhe todas as possibilidades de se afirmar uma ideia de algum tipo de essência.
Como já foi dito, a forma é vazia de essência de forma, e isso refuta toda ideia de atribuição de essência.
VIII. Dispersão baseada na ideia de uma característica singular
O Abençoado, quando declara que não vê dentre as coisas, nem nascimento, nem cessação, refuta com isso todas as ideias de uma característica singular.
IX. Dispersão contida na ideia de que as coisas correspondem ao nome
O nome é uma criação convencional e as coisas são nomináveis exatamente na medida em que são idealizadas. A relação subsistente entre as coisas e seus nomes é, assim, uma realidade natural.
A crença em uma realidade exterior surge, nos ignorantes, por consequência de um erro e não é então, nada além de uma convenção comum, privada de qualquer tipo de realidade.
Neste mundo, portanto, o nome é puramente produto da mente; os objetos nomináveis correspondentes a ele não existem. A ideia, então, de que as coisas correspondem aos seus nomes é insustentável.
X. Dispersão contida na ideia de que os nomes correspondem às coisas
O Abençoado disse ainda que a Perfeição da Sabedoria, o Desperto e o Bodhisattva são apenas nomes, refutando assim a ideia de que as coisas são realmente existentes.
Essa é uma refutação das coisas como objetos das palavras. A Coisa em si, não é, contudo, negada. Tais terminações concernentes ao valor das coisas, devem ser compreendidas como contidas em todas as outras frases.
O homem que compreende conforme a verdade quaisquer nomes que escute, não os escuta como correspondentes a um objeto. Essa, porém, não é uma refutação do som em si.
Subhūti,[3] de sua parte, refutando ambos, seja o nome ou o objeto do nome, disse: "Do Bodhisattva não vejo nome algum."
CONCLUSÃO
Não existe, na Perfeição da Sabedoria, frase alguma que não possa ser corretamente compreendida, graças a essa interpretação. Os ditos argumentos devem ser examinados à partir dos comentários dos sábios e com afinco.
O abandono dos argumentos ditos e a invenção de outros novos, se diz na Perfeição da Sabedoria, ser uma falsificação de tal conhecimento.
Tais e não outros são, resumidamente, os argumentos contidos na Perfeição da Sabedoria. O significado se repete continuamente adiante, mesmo quando aparentemente se fala de outra coisa.
Que os méritos que porventura eu obtenha fazendo esta síntese da Perfeição da Sabedoria permitam aos seres [cruzar o mar e] ancorar na orla da sabedoria.
. . .
[1] Sct. svabhāva.
[2] o fato de que todas as coisas são privadas de essência; 2) a compreensão monística que se desenvolve no yogue que segue o método da Prajñāpāramitā; 3) ao próprio ensinamento da sabedoria; 4) o fato de que todas as coisas são análogas ao Absoluto. Para mais bibliografia sobre as quatro purificações, consulte G. Tucci, Minor Buddhist Texts on the Prajñāpāramitā: the Prajñāpāramitā piṇḍārtha of Diṅnāga, “Journal of the Royal Asiatic Society”, 1947, p. 67.
[3] Personagem que aparece no sutra comentado. Filho do banqueiro Sumana, Subhūti foi um dos principais discípulos de Buda. Ele foi o primeiro dos que praticaram a arana, a ausência de paixões, o primeiro daqueles que praticaram a concentração da vacuidade e o primeiro daqueles que são dignos de oferendas. Veja mais na tradução de Lamotte, The teaching of Vimalakirti (Vimalakīrtinirdeśa). 1962, p.154-155.
Baixe esse texto em PDF e muitos outros sutras e comentários importantes no site:
http://www.tiantai.org.br/
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