Pesquisa

sábado, 9 de agosto de 2014

Imagens Budistas no Altar

por Marcelo Prati (Upasaka Pundarikakarna)

Meu altar doméstico.
Outro dia conversava com uma amiga sobre o altar. Mostrei uma foto do meu altar doméstico e isso trouxe pra conversa o tema da representação dos personagens na forma de imagens e os conceitos que eles representam. No início ela demonstrou certa estranheza, me perguntando a razão do meu altar ter "tantas imagens" enquanto no dela havia apenas um pergaminho (além dos objetos comuns a todo altar doméstico), uma mandala inscrita pelo sacerdote Nichikan (séc. XVIII) baseado por sua vez em uma das várias e diferentes mandalas inscritas pelo monge Nichiren no século XIII. Hoje ainda existe uma quantidade considerável das mandalas de Nichiren preservadas, escritos por sua própria mão, algumas até contendo ilustrações, como você pode ver neste video:


Essa pergunta acabou dando numa brincadeira. Eu, com muito bom humor, fiz uma "aposta" de que no altar dela teria mais imagens representadas do que no meu. A gente riu um pouco e eu me expliquei melhor.

Essa é a mandala em questão.
Mandala inscrito por Nichikan
baseado na ideia de Nichiren.

Mas o que é isso? Simples. Ao invés de uma versão dispendiosa, colorida, cheia de representações imagéticas, ele usou texto. Lembre-se que a confecção de uma mandala era cara, manual, pintada sobre tecido, trabalhosa, demorada... E mandalas onde as imagens eram substituídas por texto, ou por sílabas mântricas sânscritas (como Nichiren usa nas laterais representando Aizen e Fudo) já existiam. E ele obviamente conhecia, pois havia estudado o esoterismo Tendai. Então fiz isso pra ilustrar. Nichiren estava sempre na pindaíba, perseguido, ameaçado de morte... Dava pra ficar encomendando mandala de luxo? O objetivo dele era espalhar sua ideia para o máximo de pessoas possível, dada a degeneração do Budismo na época (imagina então se fosse hoje...), já que temia sempre pela sua vida e pela continuidade da doutrina. E pra quem nunca entendeu o que estava no tal do Gohonzon, eu fiz essa montagem. Lá vai:

A minha "tradução" do Gohonzon
em questão.
Então, com o mesmo bom humor: qual altar tem mais imagens?
Alguém pode dizer:
- Ah, mas no Gohonzon elas têm um significado!
- Sim, na forma de imagem também. Assim como no meu altar doméstico. Afinal, ninguém adora pedaços de papel com desenhos... isso seria meio bobo, não acha?

sábado, 2 de agosto de 2014

Nichiren e o Preceito de Não Matar.

Pintura feita entre os séculos XIV e XV,
mantida no templo Kuon-ji,
no Monte Minobu.
Nichiren (às vezes grafado como Nitiren) foi um monge budista japonês do século XIII. Hoje há muitas religiões que se afirmam seguidoras de Nichiren e seus ensinamentos. Ele era um devoto do Sutra do Lótus e da melhor forma que podia dentro das possibilidades da época e lugar em que viveu, lutou com todas as forças para proteger o ensino. Reconhecendo esse sutra e o Sutra Mahayana do Nirvana como contendo a essência do ensinamento do Buda, se considerava discípulo de Saichō (Dengyō Daishi) e de Tiantai Zhiyi.

Dentre as várias cartas que deixou, orientando a todos que venerassem o Sutra do Lótus através da prática da lembrança do Dharma, mantendo a frase "Homenagem ao Sutra do Lótus" sempre em mente e nas ações, exortou também sobre a observação dos preceitos, inclusive o de não matar.

"O maior tesouro dos seres sencientes não é outro que não a vida. Aqueles que tomam a vida estão condenados aos três mundos inferiores. Os Reis Giradores da Roda[1] observaram o preceito de não matar como o primeiro dos Dez Bons Preceitos. O Buda ensinou os Cinco Preceitos começando pelos sutras Hinayana e fez de "não matar" o primeiro deles. O Buda também ensinou "não matar" como o primeiro dos Dez Preceitos Maiores dos Bodhisattvas no Sutra Mahayana da Rede de Brahma[2]. O capítulo Juryo do Sutra do Lótus contém as bênçãos do Buda advindas do [cumprimento do] preceito de não matar. Consequentemente, aqueles que tomam a vida serão esquecidos pelos Budas de todos os três períodos de tempo[3] e os deuses dos seis céus do mundo não os protegerão. Os estudiosos de nosso tempo estão cientes disso e eu, Nichiren, também tenho uma geral compreensão do fato." (Major Writings of Nichiren Daishonin, Vol. 6, p. 89)

"Nada em todos os sistemas de mundos se compara ao valor de um ser vivo, isso significa que nem mesmo todas as joias e tesouros que preenchem o universo podem se igualar ao valor de uma vida. Aquele que mata uma mera formiga cairá no inferno, o que dizer então daquele que mata peixes e pássaros?" (Major Writings of Nichiren Daishonin, Vol. 7)

"O primeiro dos cinco preceitos[4] é não tirar a vida e a primeira das seis paramitas[5] é a generosidade. Seja os dez bons preceitos, nos duzentos e cinquenta preceitos, nos dez preceitos maiores e em todas as outras regras de conduta, todos começam com a proibição de tomar a vida.
Todos os seres vivos, do mais alto sábio ao menor mosquito ou pernilongo, sustentam a vida como bem mais precioso. Privá-los de viver é cometer o mais grave tipo de falta.
Quando o Buda surgiu nesse mundo, ele sustentou a compaixão pelos seres vivos como a base de tudo. E como expressão de sua compaixão pela vida, abster-se de tomar a vida e prover o sustento para os seres vivos é o mais importante dos preceitos." (Major Writings of Nichiren Daishonin, Vol. 5 p.189)

. . .

[1] cakravartin (sct). Um governante do universo, ou seja, os Budas.
[2] Nichiren está falando deste trecho do Sutra da Rede de Brahma: "Um discípulo de Buda não deve matar, encorajar outros a matar, matar por meios hábeis, louvar o ato de matar, alegrar-se ao presenciar o ato de matar ou tentar matar mediante encantamentos ou mantras desviantes. Não deve criar as causas, condições, métodos ou karma de matar e não deve matar intencionalmente qualquer criatura viva. Enquanto discípulo de Buda, deve desenvolver uma mente compassiva e filial, procurando sempre meios hábeis para salvar e proteger todos os seres."
[3] Passado, presente e futuro.
[4] Código ético budista básico seguido por todos os seguidores, sejam monges ou leigos. Não matar ou causar a morte, não roubar ou tomar algo que não te foi dado, não manter conduta sexual imprópria, não usar a fala com intenção de enganar, não intoxicar a percepção. Está espalhado por toda literatura budista.
[5] Generosidade, moralidade, paciência, energia, concentração, sabedoria.