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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Elementos do Altar - Parte 2 - A Água

por Marcelo Prati (Renji)

Além de transpor as doutrinas para a vida de uma forma prática, dentro de um contexto realista e atual, os budistas também possuem uma série de "exercícios" - também diários - como recitar os textos sagrados, meditação, estudos e vários desses exercícios acontecem de frente a um altar. Esse altar possui alguns elementos básicos que devem estar presentes, mas de uma maneira geral, o que importa realmente é que tais práticas façam verdadeiramente algum sentido, pois não há nada de mágico ou sobrenatural nos objetos que estão lá. Eles não tem significado em si próprios. O respeito pelos objetos sagrados vem justamente da nossa própria percepção da mensagem que eles passam a carregar. No texto Pòxiàng lùn (T.48/2009:365a5), atribuído a Bodhidharma (século IV), consta:
"Os sutras budistas contém inúmeras metáforas. Devido ao fato de que a maioria dos seres humanos têm mentes superficiais e não entendem coisa alguma profundamente, Buda usou o comum para representar o sublime. As pessoas que buscam benefícios concentrando-se em trabalhos externos, em vez de cultivarem-se internamente, estão buscando o impossível."
Nessa série curta veremos os principais elementos do altar (inclusive com textos e dicas que já foram postadas aqui no blog), seus significados e também algumas reflexões. Os principais objetos do altar simbolizam as paramitas (perfeições) que os budistas trabalham em seus corpos e mentes. Sendo assim, resumidamente, através da compreensão clara do que significam, em cada gesto e em cada vez que a gente observa os paramentos que compõem o altar, esse significado vem à tona em nossas mentes.

Parte 2. A Água

A água no altar representa a pāramitā dāna, a generosidade, a doação. Levando para o lado da doação "material", obviamente, templos e monges não vivem de brisa. Há despesas relacionadas com as cerimônias como os incensos, por exemplo, e é claro, as contas de água, luz, alimentos, etc., também significa ajudar a quem pede um auxílio, um amigo, alguém que precisa, tem a ver com o verdadeiro espírito da sangha (comunidade budista). Contudo, talvez a gente também possa considerar dāna o doar de si. Me explico. Qual a razão de se estudar? Por que eu usaria meu tempo livre, feriados, folgas... pra enfiar a cara em textos, traduzir, tentar entender termos, linhas de raciocínio, gastando dinheiro com livros, buscando pelo menos o mínimo conhecimento e familiaridade com línguas antigas e história antiga... em prol de uma religião que não me promete nenhuma recompensa mágica? Respondo: A gente estuda para que outras pessoas compreendam. A gente estuda para ser possível explicar a quem quiser perguntar. Para que a água fresca do Dharma alivie o sofrimento e a angústia das pessoas e permita a todos que buscarem, a possibilidade de conhecer uma direção justa, sem rodeios, sem frases circulares, sem papo furado, sem conversa fiada, mas tornando-nos capazes de doar - a quem procurar - um viver pleno de ética real, prática e sabedoria. Segue algumas passagens para reflexão.
"A água conforta o corpo e refresca a mente, purificando de toda degradação mental. Limpa e pura, a água é tão transparente que parece ser desprovida de forma." (Sutra Longo de Amitabha)
"Quando as raízes conseguem água, os galhos, folhas, flores e frutos todos brotam e florescem. A magnificente árvore-Bodhi que cresce dentre a selva do nascimento e morte também é assim. Todos os seres vivos são suas raízes; todos os Budas e Bodhisattvas são suas flores e frutos. Por beneficiar a todos os seres com a água de sua grande compaixão, tal pessoa pode compreender as flores e frutos da sabedoria dos Budas e Bodhisattvas. Qual a razão disso? É porque através de beneficiar os seres vivos com a água da grande compaixão, os Bodhisattvas podem atingir a Suprema e Perfeita Iluminação; portanto a sabedoria Bodhi pertence aos seres vivos." (Sutra Avatamsaka)
"A todos deleita a nuvem - gramíneas, arbustos, soberanos do bosque; deleita a sedenta terra, rega as ervas. (...) E qualquer árvore, árvores grandes, pequenas ou medianas, segundo sua capacidade, segundo sua força, todas elas absorvem a água, segundo sua vontade e seu desejo, bebem e crescem."  (Sutra do Lótus)
"Não menosprezes o bem dizendo: este não chegará perto de mim;
Mesmo pela queda de gotas d'água uma jarra se enche;
Igualmente, acumulando-o pouco a pouco, o inteligente também se enche." (Dhammapada c.IX v.122)
Que através da reflexão sobre o ato de doar generosamente, possamos compreender que os elementos do altar representam com seus símbolos a postura que devemos assumir na vida. Que sejamos capazes de aplicar tais ideias em nossas ações e o Buddhadharma não seja transformado em falatório inútil.


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