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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Introdução aos Ensinamentos de Sidarta Gautama, o Buda (5) - QUARTA NOBRE VERDADE

QUARTA NOBRE VERDADE

Caminho Óctuplo ou Caminho do Meio (O caminho que leva à cessação do sofrimento)

A Quarta Nobre Verdade é a que indica o Caminho que leva à extinção do sofrimento, conseguido pela trilha da Senda Óctupla, também conhecida como "Caminho do Meio", porque evita os dois extremos: primeiro, o da auto-indulgência, conforto e prazer físico que traz apego às paixões (é próprio dos indivíduos que procuram a feli­cidade através dos prazeres dos sentidos); segundo, o da auto-tortura, auto-mortificação, ou sofrimento físico que traz perturbação à mente: é uma psicose, mediante diferentes formas de ascetismo. Exemplo, o uso do cilício pelos penitentes cristãos. Nem o ascetismo, nem o prazer permitem realizar o Caminho. É preciso aban­donar esses dois extremos e seguir o Caminho do Meio.


Certa ocasião, Sidarta estava na Montanha dos Abutres junto à cidade de Rajagaha. Em um bosque próximo, um monge de nome Sona estava entregue à meditação; aplicava-se bastante, mas, não realizando a Iluminação e sentindo-se desnorteado, veio ter com Ele e per­guntou: 

- "Mestre, estou fazendo exercícios severíssimos. Dentre todos os discípulos, não há quem me iguale em zelo. Por que, então, não consigo realizar a Iluminação? Talvez seja melhor que eu volte para casa. Tenho bens que me permitem levar uma vida feliz. Não é melhor que eu abandone este caminho e volte ao mundo?
- Sona, antes de seres monge, eras um exímio harpista, não?
- Bem, eu tinha certa habilidade com esse instrumento.
- Então responde: quando as cordas da harpa estão muito tensas, obtém-se bom som?
- Não, Mestre.
- Quando as cordas estão frouxas, obtém-se bom som? 
- Também não, Mestre.
- Então, como fazer para obter bom som?
- As cordas não devem estar nem tensas, nem frouxas demais.
- O mesmo se dá com a prática do Dharma, Sona. A aplicação dema­siada traz inquietação à mente, e a despreocupação traz negligência. É necessário seguir o Caminho Médio entre esses dois extremos.
Desde então, Sona passou a exercitar-se segundo tais instruções, rea­lizando, por fim, a Iluminação."

Sidarta, tendo experimentado esses dois extremos e reco­nhecendo a inutilidade deles, descobriu por experiência própria o Ca­minho do Meio que condensa o espírito da Filosofia Ético-Moral budista, conhecido como Caminho Óctuplo, e consiste dos seguintes princípios: 

Conduta Ética - Moralidade
1. Palavra Correta 
2. Ação Correta
3. Meio de Vida Correto

Disciplina Mental - Meditação
4. Esforço Correto 
5. Plena Atenção Correta
6. Concentração Correta

Introspecção - Sabedoria
7. Pensamento Correto 
8. Correta Compreensão 

Estes oito fatores estão entrelaçados entre si e cada um contribui para o aparecimento e desenvolvimento dos outros. São estas as poderosas forças morais e mentais que, reunidas, nos ajudam a nos libertar do desejo. A finalidade destes oito fatores é facilitar o aper­feiçoamento dos três elementos essenciais no treinamento da disciplina budista, que são: 

I. Conduta ética: Moralidade (Sila)
II. Disciplina mental: Concentração e Meditação (Samadhi) 
III. Introspecção: Sabedoria (Panna)

I. Conduta ética: Moralidade (Sila)

É baseada na ampla concepção de amor universal e compaixão para com todos os seres; não somente os humanos, mas todos os seres vivos. 

Segundo o budismo, para que um ser humano seja o menos imperfeito possível, deve cultivar igualmente duas qualidades: compaixão e sabedoria, que devem permanecer inseparáveis. A compaixão inclui o amor no sen­tido universal (não condicionado a símbolos, conceitos etc.), a cari­dade, a tolerância, assim como todas as nobres qualidades do coração (lado afetivo); ao passo que a sabedoria representa as qualidades da mente. 

Se um indivíduo desenvolve somente o seu lado afetivo e descuida o lado mental, será um tolo de bom coração; se, ao con­trário, este mesmo indivíduo desenvolve seu lado mental e descuida o lado afetivo, é provável que se torne um intelectual insensível, frio, sem nenhum sentimento para com os demais. Desta forma, estes dois homens nunca alcançarão a menor imperfeição. A conduta ética, baseada no amor e na compaixão, consta de três fatores do Caminho Óctuplo: 1.°) Palavra Correta, 2.°) Ação Correta, 3.°) Meio de Vida Correto.

1º) Palavra correta, ou linguagem pura, é a que traduz hones­tidade, verdade, paz, carinho; que é cortês, agradável, benéfica, útil, moderada e sensível. Significa abstenção das mentiras, difamação, calúnia e de todas as palavras capazes de provocar ódio, inimizade, desunião e desarmonia entre indivíduos, ou grupos sociais. 

Abster-se de linguagem rude, brutal, descortês, ofensiva ou inju­riosa; enfim, abster-se de conversações sem sentido, fúteis e vãs; abster-se de linguagem errônea e perniciosa. Deve-se dizer a verdade em ocasião oportuna, empregando palavras amigáveis, benévolas, agra­dáveis, doces, significativas e úteis. Nunca falar negligentemente, mas sempre com conveniência de tempo e de lugar. Quando não se tem nada de útil a dizer, deve-se "guardar o nobre silêncio".

Para desenvolver a palavra correta, isto é, evitar as errôneas ma­neiras de falar, não basta apenas boa intenção, pois esta falha é cons­tante; é indispensável haver uma cultura mental que, desenvolvendo a concentração, leve o indivíduo ao autocontrole e à sabedoria interior. A palavra correta é dirigida pelo pensamento e ação corretos. "Melhor que mil palavras sem sentido, é uma só palavra sensata, capaz de trazer paz àquele que a ouve."

2º) Ação correta, ou conduta pura, tem por fim cultivar uma conduta moral honrada e pacífica e ajudar os outros na mesma finali­dade, a qual nos exorta, também, a evitar destruir vidas, fazer uso de tóxicos que perturbam a mente, ou fazem perder a consciência; roubar ou explorar, assim como o mau uso das relações sexuais.
"Aquele que destrói uma existência, que mente, que rouba, que cobiça o cônjuge alheio e se entrega às bebidas alcoólicas ou tóxicos em geral, este, já neste mundo, está destruído." A ação correta é dirigida pelo pensamento correto.

3º) Meio de vida correto, ou meios de existência puros, conduzem o indivíduo à aquisição do bem-estar material e espiritual próprios, ajudando os demais na mesma finalidade. Significa que se deverá evitar ganhar a vida em uma profissão ou ocupação que possa ser nociva a outros seres vivos, como comércio de armas ou instru­mentos mortíferos, caça, pesca e matadouros, bebidas alcoólicas, ve­nenos, entorpecentes, jogos que possam causar preocupações etc. Fazer profissão de poderes parapsíquicos, na cura de pacientes, previsões sobre o futuro baseadas em cartomancia, astrologia etc. 

O meio de vida correto é dirigido pelo pensamento correto. Quaisquer sistemas de moral e ética estão enquadrados nesses três aspectos: palavra correta, ação correta e meio de vida correto. Sem esses três fatores, nenhum desenvolvimento espiritual será possível.



II. Disciplina mental: Meditação (Samadhi)

Compreende os três seguintes fatores do Caminho Óctuplo: Es­forço Correto, Plena Atenção ou Vigilância Correta e Concentração Correta, por meio dos quais se alcança o desenvolvimento mental e a visão interior (intuitiva).

4º) Esforço correto, ou aplicação pura, é a arma que pos­suímos para enfrentar corretamente a luta contra o mal; consta do seguinte:

a) Esforço de evitar e destruir os pensamentos negativos já existentes.
b) Enérgica vontade de impedir ou superar o aparecimento de pensa­mentos maus e nocivos.
c) Fazer surgir pensamentos bons e sadios ainda não existentes.
d) Manter, cultivar e desenvolver, até à mínima imperfeição possível, os pensamentos bons e sadios já existentes.

5º) Plena atenção correta, ou Vigilância Correta, consiste numa atenção vigilante com tomada de consciência nas atividades do corpo, nas sensações, nos diferentes estados da mente (nas idéias, pensamentos, etc.), e na investigação da Doutrina - Dharma - ( Verdade sobre o nosso ser).

A Plena Atenção mental correta é um dos principais fatores do Caminho Óctuplo, pois é necessário que esteja presente para o desen­volvimento dos demais fatores. Desta maneira, para desenvolver a palavra correta, a ação correta e o meio de vida correto é necessária a Plena Atenção mental para que no momento exato não nos dei­xemos levar pelas errôneas maneiras de falar, pelas ações demeritórias, ou pelo incorreto meio de vida.

A Plena Atenção mental correta é chamada "Guarda da mente"; é o vigia da mente, que está sempre observando, porque a mente, por si só, vaga a todo instante.

No treinamento da meditação, a prática da concentração na res­piração, embora existam outras técnicas, é um dos exercícios mais divulgados em relação ao corpo, contribuindo para o desenvolvimento mental. Pela meditação realiza-se auto-disciplina, auto-controle e auto­-conhecimento - pureza e Iluminação (Sabedoria).
Quanto às sensações, é necessário ter clara consciência de todas as suas formas: agradáveis, desagradáveis e indiferentes; de como surgem, se desenvolvem e desaparecem.

No que se refere aos diferentes estados da mente, deve-se estar atento e analisar todos os movimentos mentais; se neles estão pre­sentes o ódio, ou não, a cobiça, ou não; se eles se deixam levar por uma ilusão, ou não, se a mente está distraída, ou atenta, e estar cons­ciente de como surgem e desaparecem. Enfim, quanto às ideias, pen­samentos e concepções das coisas, devemos distinguir sua natureza, saber como surgem, se desenvolvem e desaparecem, como são supri­midos ou destruídos, e assim sucessivamente.

6º) Concentração correta é a condição indispensável para todo e qualquer desenvolvimento espiritual. Qualquer religião ou prá­tica, sem concentração, torna-se frágil e, na oração, as palavras tornam­-se inúteis. Quanto mais concentração nas palavras de uma oração, mais poderosa ela se torna. A oração feita desta forma é um tipo de meditação. O poder dos raios solares dispersos em todas as direções se torna maior quando concentrados em um ponto por uma lente. Da mesma maneira nossa mente está constantemente dispersa; quando concentrada em um objetivo único, ela se torna poderosa e com isso desenvolve a sabedoria interior. 

A Concentração Correta é o terceiro e último fator da disciplina mental - samadhi -, estado em que o indivíduo é levado à abstração de si mesmo pelo treino da meditação nas quatro etapas de dhyana. 
Na primeira etapa de dhyana são afastados os desejos apaixonados, pensamentos impuros como sensualidade, má vontade, confusão, agitação e dúvida cética. Mas estão presentes os sentimentos de alegria, de felicidade, assim como certa atividade mental.

Na segunda etapa, desaparecem todas as atividades mentais e desenvolvem-se a tranqüilidade e a fixação unificadora da mente; no entanto os sentimentos de alegria e felicidade ainda estão conservados.
Na terceira etapa, o sentimento de alegria, que é uma sensação ativa, desaparece também, persistindo ainda uma disposição de felici­dade com equanimidade consciente.

Finalmente, na quarta etapa de dhyana, toda sensação, mesmo de felicidade ou infelicidade, de alegria ou pesar, desaparece, restando somente a equanimidade e a lucidez mental.


Recolhimento ou Concentração

- Nagasena, qual é a característica da concentração? 
- A supremacia. Os estados salutares da mente subordinam-se à con­centração. Esta é o cume do qual esses estados da mente são as encostas, as ladeiras e o sopé.
- Dá uma comparação.
- Quando um monarca mobiliza o seu exército para a guerra, os ele­fantes, os cavalos e a infantaria estão sob seu comando, obedecem às suas ordens. Dá-se o mesmo com a concentração.
Recomendou o Bem-Aventurado: "Religiosos e leigos, cultivai a concen­tração. O homem na concentração vê a realidade." 

Desta forma a mente fica disciplinada e desenvolvida por meio do Esforço Correto, Atenção Correta e Concentração Correta.

III. Introspecção: Sabedoria 

Consta dos dois fatores restantes da Nobre Senda Óctupla, o Pensamento Correto e a Correta Compreensão.

7º) Pensamento correto, ou pensamento puro, é o correto pensar com sabedoria, com equanimidade e contemplação. É o pen­samento dirigido no sentido da renúncia, do desapego, da compaixão, do amor universal, da não-violência, estendendo-se a todos os seres vivos. Desenvolvendo estas qualidades, eliminamos todo pensamento egoísta de apego, má vontade, ódio, violência ou crueldade, seja de ordem individual, social ou política, que é fruto da ignorância. O pensamento correto não aparece quando existem pensamentos ligados aos apegos dos sentidos.

"Tudo o que somos é resultado do que temos pensado (criação mental). Se um homem fala ou age com uma mente impura, o sofrimento acompanha-o tão perto como a roda segue a pata do boi que puxa o carro."

"Se o homem fala ou age com a mente pura, a felicidade o acompanha como sua sombra inseparável."

Donde se conclui que do nosso pensamento só colhemos bons e maus frutos. 
Os pensamentos corretos são interdependentes da compreensão correta. No seu discurso sobre o Amor Universal, Sidarta nos dá um ensinamento que auxilia a vencer os pensamentos negativos: utilizá-Ios como tema de meditação.

8º) Correta Compreensão é a compreensão que, pela contem­plação pura, permite reconhecer e penetrar na realidade da existência da insatisfação universal, criada pela desarmonia entre os seres e o mundo exterior. 
No budismo há duas formas de compreensão: a primeira forma de compreensão é a do conhecimento, memória acumulada, captação intelectual de um assunto, segundo certos dados etc. É designada pelo nome de "conhecer segundo...", que é o conheci­mento pelos conceitos; não é muito profunda. A compreensão verda­deiramente profunda denomina-se "penetração". Con­siste em ver uma coisa em sua verdadeira natureza, sem nome ou rótulo. Esta penetração só é possível quando a mente está livre de toda impureza e quando completamente desenvolvida na prática da meditação.

A compreensão pela visão interior é a mais alta sabedoria que o homem pode atingir, e somente através dela poderá realizar a Rea­lidade Última, que consiste na compreensão das coisas tais como são, sem condicionamentos. As Quatro Nobres Verdades as explicam cla­ramente.

Na Primeira Nobre Verdade, a natureza da vida, seu sofrimento, suas tristezas e alegrias, sua insatisfatoriedade, sua impermanência e sua insubstancialidade; devemos compreendê-la como fato claro e com­pleto. 

Quanto à Segunda Nobre Verdade, origem de dukkha, que é o desejo acompanhado de todas as paixões e impurezas, a simples compreensão não é suficiente; torna-se necessário afastar, eliminar, destruir a origem desse desejo.

Quanto à Terceira Nobre Verdade, que é a cessação de dukkha, o Nirvana, a Verdade Absoluta, a Realidade Última, precisamos com­preendê-la e realizá-Ia.

Em relação à Quarta Nobre Verdade, que é o Caminho que conduz à realização da Libertação, ou experiência do Nirvana, apenas o conhecimento do Caminho, por mais completo que seja, é insufi­ciente. Torna-se necessário segui-la e manter-se nele.

Sidarta afirma que aquele que vê qualquer uma das Quatro Nobres Verdades, vê também as outras. Assim, dizia: "Aquele que vê impermanência (dukkha) vê também a origem de dukkha, vê a cessação de dukkha e também vê o caminho que conduz à cessação de dukkha."

Esta resumida exposição apresenta um modo de vida que pode ser seguido, praticado e desenvolvido por qualquer indivíduo. É uma dis­ciplina do corpo, da palavra e da mente, sendo, assim, um auto-co­nhecimento e uma auto-purificação. Isto nada tem a ver com fé, crenças, orações, adorações, ou cerimônias. Neste sentido, não contém nada que possa ser chamado popularmente de "religião"; é um caminho que conduz à compreensão da Realidade Última, à liberdade, à felicidade e à paz, mediante a perfeição moral, intelectual e espiritual.

Nos países budistas há costumes e cerimônias simples. Elas, entre­tanto, têm pouca relação com o verdadeiro Caminho que Sidarta ensinou ser "pura ciência e filosofia", porém são úteis e válidas, até certo ponto, para satisfazer certas emoções e necessidades místicas dos povos.

Texto de Texto de Adalberto Tripicchio (adaptado)

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