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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Mongólia: Acervo Inestimável de Textos Budistas corre perigo


Reportagem original publicada em 13 de fevereiro de 2013, por Pearly Jacob


A Biblioteca Nacional de Ulanbatar tornou-se um repositório de valor incalculável para manuscritos budistas numa região onde muitos originais foram destruídos sob o regime comunista. Dentre os destaques está a coleção em sânscrito de versos por Nagarjuna, um filósofo budista indiano do século II. Mas o museu tem passado também por problemas de manutenção e catalogação de seu acervo.

Estudiosos acreditam que ele seja o maior tesouro do mundo em textos budistas arcaicos. A imensidão da coleção mantida na Biblioteca Nacional da Mongólia tem prejudicado uma datação apropriada.

A Biblioteca Nacional, localizada em um corpulento prédio neoclássico da era soviética no centro da cidade de Ulambatar, contem estimadamente mais de um milhão de trabalhos originais e de pesquisadores budistas. Além de obras originais da Mongólia, a biblioteca conta com raras cópias do cânone budista tibetano primitivo - registros sagrados contemporâneos aos ensinos orais do Buda, chamados de Kangyur e comentários e tratados sobre ensinamentos do Buda, os Tengyur.

Muitos textos originais tibetanos foram perdidos ou destruídos em meio à invasão chinesa do Tibet em 1950. Graças a séculos de contato com o Tibet, contudo, acredita-se que a Mongólia ainda possua alguns dos últimos remanescentes originais. Além dos ancestrais documentos tibetanos e mongóis, raríssimos manuscritos em sânscrito, incluindo 800 versos de Nagarjuna, inscritos em casca de bétula foram identificados na coleção.



"Essa coleção não é apenas um tesouro nacional, mas um tesouro mundial. Não é só sobre história tibetana ou mongol, mas uma parte da história humana," diz o diretor da biblioteca, Chilaajv Khaidav.
Como os textos chegaram até a biblioteca é tanto uma recordação dolorosa sobre o legado comunista da Mongólia, como também uma celebração do patrimônio budista da nação, diz o estudioso budista e monge inativo Nyamochir Gonchog.

Ligações da Mongólia com o budismo tibetando datam por volta do século IV EC. Foi um governador mongol que conferiu o título de Dalai Lama - em mongol, 'Lama Oceano', (lama significa sacerdote) - ao líder espiritual Sonam Gyatso em 1587. O título acabou ficando para os sucessivos líderes do budismo tibetano, assim como passou a ser aplicado aos monges antecessores da linhagem.

Na virada do século XX, havia mais de 800 centros budistas de aprendizagem na Mongólia. Depois de séculos, centenas de milhares de textos sagrados tibetanos foram levados para o país para tradução ao mongol ou como presentes aos monastérios.

A biblioteca começou com um acervo pessoal do último Bogd Khan, o chefe de estado espiritual e secular na Mongólia, que morreu em 1924, três anos depois dos comunistas tomarem o poder. Mas as bordas queimadas de vários textos são lembretes do expurgo comunista em 1930 quando mais de 30 mil monges foram executados e certa de 700 monastérios foram demolidos. 

Assim que a notícia da destruição se espalhou, fiéis budistas na Mongólia esconderam todos os artefatos e salvaguardaram o que puderam dos mosteiros destruídos.
Os textos escondidos começaram a reaparecer pela década de 1960, quando a Academia Mongol de Ciência criou o Departamento para Estudos Mongóis e Tibetanos em 1985, pessoas começaram a doar coleções familiares escondidas, já que acreditavam que os textos precisavam ser preservados, conta Gonchog, o monge inativo que também é membro da Academia.

Muitos textos estão em mau estado e alojados em condições inadequadas, admite Khaidav, o diretor da biblioteca. O espaço é restrito e muita coisa da coleção está empilhada ao acaso no armazém da biblioteca. Khaidav diz que o governo mongol financiou o estudo e a restauração de muitos textos mongóis antigos. Mas até recentemente pouca coisa foi feita pelos textos tibetanos.



Assistência estrangeira chegou em 1999, quando a Asian Classic Input Project (ACIP), uma organização sem fins lucrativos localizada em Nova York começou a se dedicar a preservar e digitalizar os antigos textos sânscritos e tibetanos, catalogando inicialmente o conteúdo da biblioteca. Mas o projeto progrediu irregularmente até que finalmente parou em 2008.

Gonghog crê que a percepção sobre o valor financeiro da coleção e suspeitas entre as autoridades locais sobre as razões do interesse estrangeiro tem dificultado os esforços pela preservação. "Pessoas tem pensado que esses textos podem custar muito dinheiro, mas o real valor está em seu conteúdo," disse ao EurasiaNet.org. "Esse é um conhecimento de valor incalculável que precisa ser compreendido e preservado."

O trabalho da ACIP volta esse mês com uma concessão temporária conseguida pelo Global Institute for Tomorrow (GIFT) de Singapura, um grupo de especialistas informal, que estima que o valor total do projeto pode chegar a US$1.1 milhões.

"O trabalho em si é um processo muito lento e metódico," disse Ngawang Gyatso, um tibetano na India que supervisiona o projeto de catalogação da ACIP. Cada única página deverá ser cuidadosamente estudada pra saber de que tipo de material é feita, possível origem, bem como o roteiro e o método de impressão e o selo do mosteiro que ajuda a determinar onde e, às vezes, quando o texto foi produzido. Os títulos dos textos são transliterados para o alfabeto latino e detalhes são adicionados num banco de dados, explica Gyatso.

Alguns dias depois de recomeçar o projeto, a fiação elétrica defeituosa da biblioteca causou um pequeno incêndio, parando novamente o trabalho por alguns dias. A ACIP recentemente melhorou as condições e diz que com o financiamento necessário pode catalogar todo o acervo dentro de três anos.

Pearly Jacob é jornalista freelancer que mora em Ulanbatar.
Tradução: Prati Marcelo.

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