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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Introdução aos Ensinamentos de Sidarta Gautama, o Buda (2) - PRIMEIRA NOBRE VERDADE

As Quatro Nobres Verdades, pregadas por Buda após sua Iluminação, são as seguintes

I. A verdade da existência do sofrimento (Dukkha)
   (impermanência - insatisfatoriedade - impessoalidade)

II. A verdade da causa ou origem do sofrimento (Samudaya)
    (desejo, ambição, anseio)

III. A verdade da cessação do sofrimento (Nirodha)
    (extinção do desejo, da ambição, do anseio)

IV. O caminho que conduz à extinção do sofrimento (Magga)
     (O Caminho do Meio)

Agindo como um "clínico", Sidarta faz o diagnóstico da doença, descobre sua etiologia ou origem e estabelece a terapêutica para a remoção da causa da doença. O fato de o doente seguir, ou não, a terapêutica, já não depende do clínico. Assim, Sidarta descobre a libertação e aponta o Caminho à Humanidade.



PRIMEIRA NOBRE VERDADE

A existência do sofrimento (Dukkha)
(Impermanência, insatisfatoriedade, impessoalidade)

Identidade, um artifício da mente

A Primeira Nobre Verdade é o reconhecimento da existência do Sofrimento. A grave frustração causada pela desarmonia entre o eu pessoal condi­cionado e o mundo real não-condicionado.
Observando com atenção o Universo, vê-se que tudo é efêmero, transitório, mutável, perecível. Tudo é impermanente e se transforma sem cessar. Por toda a parte a instabilidade impera, a impermanência é a lei geral.

Considerando as individualizações em um sentido geral, observamos que nada mais são do que um composto de outras individualizações que também, por sua vez, podem ser decompostas em outras, e assim sucessivamente. Todas as coisas são compostas e tudo o que é composto, se decompõe; tudo que é um agregado se desagrega. Todas as individualizações apresentam-se em perpétua transformação, modificando-se continuamente, e, a todo instante, deixam de ser o que eram no momento precedente, tornando-se algo que não eram antes, e assim indefinidamente. Tão depressa concebe-se algo e ele já se transforma em coisa diferente; tudo é e não é.

A vida é uma série infindável de manifestações, um fluxo cons­tante de criações, transformações e extinções, um constante vir-a-ser. As discriminações que se fazem diz respeito unicamente à aparência das coisas, não tendo qualquer fundamento na realidade.

Realidade no sentido budista é impermanência. Se a essência de uma coisa é a própria mutabilidade, tal coisa não tem realidade em si, e considerar essa individualização como real é pura ilusão de nossa mente condicionada.

Não há no mundo individualidade alguma que possa ser conside­rada isoladamente, fora de suas relações com o meio ambiente. Tudo vive em contínuo intercâmbio com o Todo. Desde a infância até a velhice, o corpo e a mente se transformam sem cessar; a qualquer mo­mento em que os queiramos considerar permanentes verifica-se que estão em contínuo intercâmbio com o meio, através da respiração, ali­mentação, ideias, pensamentos etc. Por mais estranho que pareça, é impossível determinar seus limites precisos. No corpo, aquilo que até a pouco considerávamos pertencente ao meio que nos cerca, já agora, graças às funções de assimilação, é parte integrante do corpo, e aquilo que até a pouco considerávamos como pertencendo ao corpo, graças às funções de desassimilação e excreção já pertence ao meio circun­dante. Desta forma, torna-se impossível determinar o momento pre­ciso em que estas substâncias deixam de fazer parte do meio para que possam ser consideradas como nosso corpo.

Considerando o corpo como o elemento mais estável do indivíduo, per­cebe-se logo que a instabilidade, do ponto de vista dos desejos, emoções, sentimentos, pensamentos e vontade, é muitíssimo superior. O inter­câmbio com o meio é também tão intenso que, a rigor, falarmos em "meu pensamento", por exemplo, é uma autêntica temeridade, de tal forma estamos submetidos às influências do meio social, da cultura geral e de todo o passado. Refletimos apenas o que já foi pensado e dito há séculos. Estritamente falando, o "Ser no mundo" dura o tempo exato de uma dessas combinações de elementos dos planos físico e mental, pois no ins­tante seguinte outra será a combinação existente.

Certa vez o Buda perguntou: - Qual a duração da vida? - Um deles respondeu que a duração da vida era o tempo entre uma inspiração e uma expiração. O Mestre disse:
- Está bem, meu filho, pode-se dizer que tu tens progredido no Caminho.

Devido às diferentes e inúmeras maneiras como os elementos do mundo físico se apresentam aos nossos sentidos, resulta a im­pressão do Universo como uma pluralidade de individualizações coe­xistentes simultaneamente no espaço, ou sucedendo-se no tempo. Das necessidades inerentes ao raciocínio e à linguagem, resultam as ideias, os pensamentos e os conceitos, que consolidam ainda mais essa im­pressão de pluralidade.

Rotula-se através dos nossos sentidos e da mente todos os fenô­menos do mundo físico e mental (objetivo e subjetivo). Discrimina-se, em toda parte, nome e forma, e é em torno desses elementos que se pensa, se dese­ja e se desenvolve nossas paixões e ações. É no conceito de nome e forma que a nossa mente funciona, mas, em verdade, não há realidade na identidade dos objetos.

É um autêntico artifício mental dividir o vir-a-ser em manifes­tações que chamamos coisas, porém é um artifício necessário para que se possa pensar e falar. Ignorância é justamente perder de vista esse artifício mental e considerar as coisas (nome e forma) como realidades isoladas e estáticas, isto é, considerar a individualidade no sentido geral como correspondendo a uma realidade permanente, quan­do de fato só encontramos aspectos mais ou menos definidos de um vir-a-ser que se escoa sem cessar. Nestas condições:- É possível haver um critério no qual se possa apoiar a noção de identidade? Em verdade identificamos, e nem é possível conceber a atividade humana sem identificação. Sem ela ficaríamos desorientados e nossa vida neste mundo instável seria um autêntico caos. Porém, esta instabilidade que caracteriza o mundo das formas não significa que o mundo seja uma sucessão caprichosa de fenômenos sem nexo.

Todas as manifestações da natureza estão sujeitas à Lei de Causa e Efeito - com exceção da Física Quântica e da Astrofísica, por enquanto - que esclarece que nada se processa por acaso, mas sempre em consequência e obediência a esta Lei. Na Lei da Causalidade Inter­dependente, que veremos adiante, Sidarta disse: "Estando isto presente, isso acontece. Do aparecimento disto, isto surge; estando isto ausente, isso não aparece. Da cessação disto, isso cessa."

Interdependência do mundo dos fenômenos

Há uma interdependência entre todas as coisas, pois tudo o que existe é efeito de uma causa anterior e, por sua vez, causa de um efeito posterior. É a Rede Causal que os gregos viriam chamar depois. Da mesma forma, o passado está contido todo no presente, condicionando-o, assim como o ato presente resume o pas­sado e contém, em potencial, todo o futuro. O conjunto das causas que ligam as diferentes fases de um mesmo processo é que dá a ele a continuidade, na base da qual fundamentamos o conceito de iden­tidade.

As séries causais se processam de inúmeras maneiras. Umas com características próprias, outras com características as mais diversas; há séries que se processam rapidamente, outras mais lentamente; são essas diferenças que nos permitem diferenciar e identificar, dando-nos a ilusão de que estamos em face de identidades permanentes e não em face de um processo. É uma ilusão semelhante àquela que se obtém fazendo girar rapidamente um carvão incandescente: temos a impressão de um círculo luminoso, quando na realidade existe apenas um ponto luminoso em movimento, o efeito estroboscópico, ou de uma película de filme em um projetor, onde a rápida sequência dos fotogramas dá-nos a sensação de movimento.

No vir-a-ser, da mesma forma, todas as coisas são, apenas um ponto entre os dois abismos do tempo, o passado e o futuro, mas dão a impressão de coisas realmente existentes, no sentido de perma­nência através do tempo. E ficamos presos à ilusão, confusos e per­plexos ante os inúmeros problemas criados por essa ilusão.

Perdendo de vista a impermanência das coisas, tomamos como real a multiplicidade, damos realidade à pluralidade e acabamos por nos considerar a nós mesmos como identidades ou realidades sepa­radas, autônomas e independentes em um mundo hostil, indiferente, peri­goso e quase inimigo. É a essa perversão do entendimento que o budismo chama ilusão. Suas consequências em nossa vida dão origem ao sofrimento da existência.

Desejar o que é efêmero, mutável, perecível só produzirá desen­ganos, dor e medo, decorrentes dessa concepção equivocada da permanência no mundo, que faz com que nos sintamos frustrados, separados e isolados do Todo. É o fruto da separação. Devido a esta ilusão de uma personalidade separada, é que nos sentimos sós em meio a tantas discriminações da nossa mente. Devido a estas discriminações que tomamos como realidade, é que temos preo­cupações, que tememos, odiamos e somos odiados, submetidos à morte ou ao eterno vir-a-ser. Impermanêncla, ilusão e dor estão intimamente entrelaçadas. For­mam um dos pilares fundamentais do pensamento budista sobre o mundo fenomenal.

O Buda disse ainda: - "Quando se olha o céu e a terra, é preciso dizer: 'Eles não são permanentes.' Quando se olha as montanhas e os rios, é preciso dizer: 'Eles não são permanentes.' Quando se olha a forma dos seres, seu crescimento, seu desenvolvimento, é pre­ciso dizer: 'Nada disso é permanente.' Com essas reflexões, alcançarás rapidamente o Caminho."

Compreendendo, assim, a impermanência das coisas, a compreen­são do mundo como um todo aparece clara e nítida. Se tal é o pano­rama geral do universo, não se pode fazer nenhuma exceção no caso particular do Ser, indivíduo ou "eu".

Com todas as outras individualizações, o eu não é senão um agre­gado em constante transformação, submetido à decadência e à morte. O eu, como entidade sempre idêntica a si própria, não existe; não há nada que justifique a crença em um ego. A crença em um ego permanente, como base do ser, é uma ilusão igual a atribuir uma realidade substancial às individualizações que a discriminação da mente cria no mundo objetivo. Em última análise, o que há é apenas um processo único em perpétuo vir-a-ser, e as individualizações, a rigor, nada mais são que fases desse processo. Se tudo é impermanente, essa imperma­nência mesma nos mostra que qualquer tendência a considerar as coisas do mundo das formas como reais é pura ilusão. Não no sentido de negar realidade ao mundo objetivo, mas no sentido do nosso equívoco face à multiplicidade das formas, pretendendo dar rea­lidade à pluralidade das individualizações, quando na verdade nenhuma delas é real em si mesma.

Para melhor compreensão podemos considerar metaforicamente dois tipos de verdades: a verdade relativa e a verdade absoluta. Assim um cordão, por exemplo, é uma verdade relativa; verdade absoluta seriam os elementos, a matéria daquilo que ele é composto. Considerando, porém, este cordão como verdade absoluta, pode-se confeccionar um laço, que é uma verdade relativa surgida devido a causas e condições que trouxeram à existência este laço, que não veio de lugar algum e que, quando desfeito, simplesmente desapa­recerá e não irá para lugar algum. Assim, toda vez que se fala daquilo que se convencionou chamar laço, essa palavra vem à nossa mente como a imagem e o significado do que é um laço, isto é, como uma verdade convencional, mas não tem realidade, não tem essência em si. Deste modo, esse laço é uma verdade relativa e a ma­téria de que é feito o cordão, é verdade absoluta.

Da mesma forma, todos os acontecimentos, mentais, ou experimen­tais, que constituem o mundo que percebemos, tanto físico como psí­quico sutil (denominado astral, ou mental, na literatura espiritualista), têm a mesma natureza, exigindo causas e condições sustentadoras para seu aparecimento ou existência.
Pode-se dar outro exemplo: um jarro é resultado da combinação de várias causas como argila, calor, oleiro etc. Examinando o jarro, verificamos que ele depende de muitos fatores diferentes e que não tem existência própria; assim, todas as coisas e fenômenos do mundo físico e psíquico têm a mesma natureza relativa, exigindo, como foi dito, causas e condições sustentadoras para seu aparecimento.

Da mesma forma esse conceito do eu é verdade relativa; é válido de acordo com a verdade relativa; de acordo com a verdade absoluta, esse eu é apenas uma ilusão. Esta é a Suprema Sabedoria que conhece a inexistência da natureza do eu, isto é, que tanto pessoas como acon­tecimentos que podem ser analisados são todos igualmente sem natu­reza do eu, ou substância própria. Daí a noção de vazio, e todo o problema da realização da libertação é penetrarmos neste vazio interno, nesta inexistência de um eu.

O Buda disse a Sariputra:
- "As coisas, ó Sariputra, não existem da maneira que pensam os homens comuns e ignorantes da Verdade: elas existem no sentido de que não têm realidade própria. E desde que elas não existam na realidade, elas são urna ilusão que é decorrente da ignorância. É a esta ilusão que se apegam os homens ignorantes da Verdade. Eles consideram todas as coisas como reais, quando, na verdade nenhuma é real."

Existência do sofrimento

A Primeira Nobre Verdade é comumente traduzida, como foi dito, como a Nobre Verdade da Existência do Sofrimento, da lnsatis­fatoriedade, isto é, da desarmonia entre o eu pessoal e o mundo real não-condicionado e é interpretada habitualmente como se a vida fosse só dor ou sofrimento. Esta tradução e interpretação são insuficientes e enganadoras para o termo dukkha. Admite-se que possa ser empregado como enunciado da Primeira Nobre Verdade, significando Sofrimento, porém nele estão implicadas noções mais profundas e filosóficas, entre­laçadas entre si, de impermanência, insatisfatoriedade, impessoalidade ou não-substancialidade (inexistência de uma individualidade eterna e imutável, a ilusão de um eu substancial) imperfeição, conflito. Por esta razão, torna-se difícil encontrar uma expressão, em qualquer língua ocidental, que abranja todo o conteúdo do termo dukkha. Por conse­guinte, é melhor abster-se de traduzir dukkha, do que arriscar-se a dar uma interpretação inadequada e falsa como a de sofrimento, ou dor.

Quando diz que existe o sofrimento, Buda não nega a felicidade existente na vida, pelo contrário, admite diversas formas de felicidade, tanto materiais como espirituais, tanto para leigos como para religiosos. Em um dos textos originais em páli, contendo os discursos de Buda, encontram-se diferentes formas de felicidade, tais como: a felicidade na vida familiar, na vida solitária, a felicidade dos prazeres dos sentidos, a felicidade da renúncia, do apego, do desapego, a felicidade física, a felicidade mental etc. Tudo isto também está incluído em dukkha, visto que é impermanente, e ainda os mais puros estados espirituais de absorção mental (dhyana), que são serenidade e atenção pura, onde o indivíduo se encontra liberto de toda sensação agradável ou desagradável, estado alcançado pelas mais altas práticas de meditação e descrito como felicidade sem igual. Mesmo estes mais altos estados espirituais estão incluídos em dukkha, porque são efêmeros.

Em um dos discursos do Buda, depois de louvar a felicidade espiritual do estado de dhyana, diz que este estado é impermanente e está sujeito a mudança. Convém notar que a palavra dukkha é aqui empregada de uma maneira explícita, não se enqua­drando em seu senso comum, mas sugerindo que tudo o que é imperma­nente, instável, efêmero, transitório, perecível é dukkha, portanto, capaz de trazer sofrimento.
Buda era realista e objetivo no que diz respeito à vida e aos prazeres dos sentidos; afirmava que três coisas deveriam ser bem compreendidas: o desejo de prazeres dos sentidos; as más consequências, o perigo e a insatisfação; a libertação.

Segue-se um pequeno exemplo: uma pessoa consegue uma privile­giada posição política ou social que lhe dá prazer, orgulho e satisfação. Mas esta satisfação não é permanente. Mudando esta si­tuação, por qualquer circunstância, sobrevirá o ressentimento; esta pessoa poderá comportar-se insensatamente, tornar-se desarrazoada, desequilibrada e agir imprudentemente. Este é o aspecto ruim, insa­tisfatório e perigoso. Porém, se ela observar as coisas como são, na sua real perspectiva, poderá se desapegar de sua posição e não sofrerá mais; isso é a libertação.
De acordo com os três itens acima, é evidente que esta interpre­tação não é de pessimismo, nem de otimismo. Deve-se levar em conta tanto os prazeres e facilidades, quanto as dores e dificuldades, do mesmo modo que a possibilidade de libertar-se deles, a fim de com­preender a vida objetivamente. Somente quando as coisas são vistas com objetividade, a verdadeira libertação se tornará possível. A este respeito

Buda disse:
"Bhikkhus, se os solitários ou brâmanes não chegarem a compreender, de uma maneira objetiva e correta, que satisfazer os sentidos é um prazer, e que a não-satisfação dos prazeres é insatisfação, e que a libertação dos mesmos por sua vez é a libertação, então será impossível que compreendam por si próprios, de maneira objetiva e correta, o desejo dos prazeres dos sentidos, e também não serão capazes de instruir sobre o assunto qual­quer outra pessoa, e, por conseguinte, esta pessoa seguindo seus ensina­mentos não compreenderá corretamente o que é o desejo da satisfação dos sentidos."

"Porém, bhikkhus, se os solitários e brâmanes compreenderem, de uma maneira correta, que o desejo dos prazeres dos sentidos é prazer, que a insatisfação deles é insatisfação, que a libertação deles é a libertação, então será possível compreenderem por si mesmos, de uma maneira segura e completa, o desejo dos prazeres dos sentidos, e só então poderão instruir outras pessoas sobre esse assunto, e essas pessoas, certamente, seguindo esses ensinamentos, compreenderão objetivamente e corretamente os pra­zeres dos sentidos."

Os Três aspectos de Dukkha

A noção de dukkha pode ser considera sob três diferentes aspectos:
Aspecto físico, como sofrimento comum.
Aspecto psicológico, como sofrimento causado por alguma alteração, ou mudança da vida.
Aspecto filosófico, como estado condicionado.

Todas as modalidades de sofrimento se relacionam à constituição do ser e às diferentes fases da vida; desta forma o nascimento, a velhice, a doença, a morte, a união com o que não se ama, a sepa­ração daquilo que se ama, não obter seu desejo, perder glórias e pra­zeres, enfim toda forma de insatisfação física ou mental é sofrimento.

Uma sensação agradável ou uma condição de vida feliz são imper­manentes e não duram: uma mudança, mais cedo ou mais tarde, sur­girá, então haverá insatisfatoriedade ou sofrimento.
As duas modalidades de sofrimento acima mencionadas são fáceis de compreender, não podem ser negadas, pois fazem parte da expe­riência da vida cotidiana.

Os cinco agregados da existência (Skandhas)

Os Cinco Agregados que compõem um Ser ou "Eu" ou Indivíduo são os seguintes:

1. A matéria (corporeidade).
2. As sensações.
3. As percepções.
4. As formações mentais.
5. A consciência.

Estes cinco agregados abrangem dois grupos que são: o agregado da matéria, que é o corpo físico, objetivo, e os agregados mentais, que são subjetivos e se compõem das sensações, percepções, formações mentais e consciência.

Primeiro agregado
A matéria

Designam-se sob este termo os quatro elementos tradicionais que simbolizam a terra, a água, o fogo e o ar, respectivamente, com seus derivados no estado sólido, fluido, calórico e de movimento. Os deri­vados destes quatro grandes elementos correspondem, em nosso ser, aos nossos seis órgãos receptores dos sentidos, com suas respectivas faculdades: visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil e a mental que na neurofilosofia budista é considerada como o sexto órgão sensorial; e os objetos do mundo exterior correspondentes, que são os estímulos: as formas visíveis, os sons, os odores, os sabores, as coisas tangíveis ou tateáveis e os pensa­mentos, ideias e concepções, que são os objetos da mente. Tudo o que abrange a matéria, tanto interior como exteriormente, fica assim englobado naquilo que se chama de agregados da matéria.

Segundo agregado
As sensações

Estão compreendidas neste grupo todas as sensações, agradáveis, desagradáveis e neutras, ou indiferentes, que sentimos mediante o contato dos nossos órgãos físicos e do órgão mental, quando em relação com o mundo exterior.

Existe sempre um dos três tipos de sensação: quando se olha uma bela paisagem tem-se uma sensação agradável. Quando se olha um corpo putrefato, tem-se uma sensação desagradável. Quando se olha um muro, ou uma cadeira, tem-se uma sensação neutra, ou indi­ferente.

As sensações, em si, não são agradáveis ou desagradáveis; a ati­tude de achá-las de uma forma ou outra é mental de cada pessoa, atitude essa condicionada pela família, socie­dade, costumes, cultura etc. As sensações são seis. A sensação experimentada mediante o contato do olho com as formas visíveis, dos ouvidos com os sons, do nariz com os odores, da língua com os sabores, do corpo e de seu revestimento (pele e mucosas) com os objetos tangíveis; e as sensações experimentadas mediante o con­tato do órgão da mente com os objetos mentais, isto é, ideias e pensamentos. Assim, todas as sensações, sejam elas de ordem física ou mental (objetivas ou subjetivas), estão enquadradas neste grupo. Desta forma, a faculdade mental é apenas semelhante à visual ou auditiva, podendo, do mesmo modo que as outras funções, ser controlada e desenvolvida. Deste modo, os três tipos de sensação tornam-se dezoito, devido às seis portas de en­trada que são: visão, audição, olfato, paladar, tato, mente (consciência).

Nos ensinamentos de Sidarta evidencia-se o controle e disciplina dessas seis faculdades ou sentidos. A diferença entre a visão e a mente, como faculdades, consiste em que o olho registra o mundo das cores e das formas, ao passo que a mente registra o mundo das ideias e dos pensamentos, que são chamados objetos mentais. Podemos verificar que com os diferentes órgãos dos sentidos podemos ver as cores, mas não ouvi-Ias, ouvir os sons, mas não os ver. Podemos perceber que tudo isso constitui uma parte do mundo, não sua totalidade, pois temos que considerar o mundo das ideias e pensamentos que são percebidos pelo nosso sexto órgão dos sentidos, que na neurofilosofia budista é o órgão da mente, com sua facul­dade própria.

As ideias e pensamentos não são independentes do mundo exterior onde atuam os cinco sentidos. Com efeito, dependem do plano físico e por ele são condicionados em sua manifestação. Assim, uma pessoa cega de nascimento não pode ter ideia das cores, a não ser por ana­logia sonora ou outra experimentada por meio das faculdades sen­soriais de que dispõe.
Assim, as ideias e pensamentos são concebidos pela faculdade mental, fazem parte do mundo em que vivemos e são produzidos e condicionados por sensações de natureza física.

Terceiro agregado
As percepções

As percepções devem-se às impressões captadas pelos órgãos dos sentidos reconhecendo os objetos físicos e mentais, tanto nas suas características físicas, como pelas impressões psíquicas, de diferentes tipos.

Do mesmo modo que as sensações, as percepções são igualmente produzidas mediante o contato de nossas seis faculdades com o mundo exterior. Pela percepção é que reconhecemos, pelo tipo e caracterís­tica, os objetos físicos e mentais.

Assim uma fruta qualquer, nós a reconhecemos pelas suas carac­terísticas de forma, cor, odor, sabor, volume, peso e outras, como pela região em que cresce e se desenvolve, a qual a consciência (conheci­mento) sempre identifica. A percepção é inseparável da consciência.

No Milinda Panda, que é uma coleção de diálogos entre o monge budista Nagasena e o rei grego Menander, que reinou no Noroeste da Índia de 125 a 95 aC [...], encontra-se o seguinte texto:

Falando de Percepções

Milinda: Nagasena, lá onde ocorre a percepção visual, também há a percepção do órgão da mente?
Nagasena: Sim.
- Qual a primeira?
- A visual.
- Então a primeira dá ordem à outra para que ocorra ao mesmo tempo? Ou então a segunda diz à primeira: "Quando ocorreres eu também ocorrerei?"
- Não, Majestade. Elas não falam uma à outra.
- Como, então, uma funciona depois da outra?
- Pela tendência, pelo precedente, pela prática.
- Como pela tendência?
- Quando chove, por onde a água escorre?
- Pelo terreno inclinado.
- Se chove outra vez?
- A água escorrerá por onde a anterior escorreu.
- Acaso a primeira água teria dito à segunda: "onde eu escorro, escorrerás também tu, ou tu escorrerás por onde eu escorrer?"
- Não, Venerável, elas não falam uma à outra. Escorrem, seguindo a inclinação do terreno.      
- Dá-se o mesmo com a percepção visual e com a percepção mental.
- De que maneira se sucedem pela porta essas duas percepções?
- Supõe uma cidade na fronteira, rodeada de muralhas e tendo urna única porta para entrada e saída. Se alguém quiser sair por onde o fará?
- Pela porta.
- E se alguém mais quiser sair, por onde sairá?
- Pela porta.
- Para a saída de ambos, houve combinação entre os dois?
- Não. Passaram pela mesma porta, por ser ela o único lugar por onde podiam sair.
- O mesmo acontece com a percepção visual e a do sentido da mente.
- E quanto à precedência?
- Uma primeira carreta vai por urna estrada. Por onde passará a segunda?
- Pelo mesmo caminho da anterior.
- Houve alguma combinação prévia entre ambas?
- Não. A segunda segue a primeira pela precedência.
- Assim também com as tuas percepções.
- E quanto à prática, de que modo se sucedem?
- Nas escolas todos começam errando quando aprendem a calcular e a escrever. Depois, mediante a atenção e a prática, nós nos tornamos hábeis. Assim, pela prática, quando há percepção visual, também ocorre a percepção do sentido interno (órgão mental).

Quarto agregado
As formações mentais

Formações mentais - Samkhara palavra páli que significa uma coisa da qual outras coisas dependem ou uma coisa sem a qual outras coisas não podem existir, ou uma coisa que determina ou con­diciona outras coisas. Em resumo, Samkhara significa uma condição necessária determinante; forma os outros elementos condicionando a consciência, portanto, formações mentais são uma condição necessária, sem a qual o conhecimento ou consciência não vêm à existência.

Os elementos básicos das formações mentais são: a volição (voluntária ou involuntária) a atenção e o contato. A formação busca sempre o contato que é um dos elementos formativos. A volição, isto é, a vontade, sempre com a presença da atenção, coloca o corpo (base interna) e o objeto (base externa) logo em uma determinada direção para que haja o correspondente processo de cognição, isto é, do conhecimento, e ao mesmo tempo traz uma idéia de determinação. Por exemplo: uma pessoa não pode ver o que está colocado por detrás dela, a não ser que se volte para haver o contato; assim, o contato é um dos elementos formativos.

Volição e atenção são inseparáveis. A volição é incontrolável; funciona sempre como uma antena nas portas dos sentidos, principal­mente audição e visão, por necessidade de autodefesa e perpetuação da espécie; a atenção está constantemente na audição e na visão. Assim, uma determinada pessoa não pode pretender não ouvir ou ver um determinado som ou objeto, estando com os seus sentidos normais.

Lembramos que volição não é intenção. Intenção é um exercício de escolha movido por um pensamento, ao passo que a volição surge antes e condiciona o corpo; está presente em cada momento de cons­ciência, é algo instintivo e natural. Quanto maior for o progresso na senda, mais a intenção fica distanciada da volição, ganhando o discí­pulo autocontrole, onde toda intenção é observada e controlada.

Perguntando a Sidarta o que eram formações, ele disse: "Forma os demais agregados." Concluindo, a volição, a atenção e o contato são os elementos básicos fundamentais que estão permanentemente presentes em nós, na nossa mente, e que determinam a consciência. Havendo a volição, quando há o contato e a atenção, imediatamente vêm à existência a sensação, a percepção e a consciência.
Volição, atenção e contato são as condições necessárias para a formação, ou surgimento da sensação, percepção e consciência.

Quinto agregado
A consciência

A consciência, ou conhecimento, é uma reação ou resposta às seis faculdades - visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil e mental ­que têm por objeto os fenômenos exteriores correspondentes: formas visíveis, sons, odores, sabores, objetos tangíveis e objetos mentais, isto é, ideias e pensamentos. Por exemplo, a consciência visual tem por instrumento o olho e por objeto uma forma visível. A consciência mental tem por base o órgão da mente e por objeto uma idéia ou pensamento. Assim como a sensação, a percepção e as for­mações mentais, a consciência possui seis formas vinculadas às seis faculdades dos sentidos, órgãos internos ou bases internas, em cor­respondência com as seis espécies de objetos do mundo exterior, ou bases externas.

A consciência nunca surge por si só; a consciência é sempre con­dicionada. Quando se estabelece um contato entre a base interna e o mundo exterior, vêm à existência os elementos imateriais, isto é, a sensação, a percepção, as formações mentais e a consciência corres­pondente. As bases internas estão em nosso próprio corpo e as bases externas no mundo exterior. A base interna é sempre o corpo e o que se condiciona depois, sempre pelo contato, é a mente.

É necessário compreender que a consciência não reconhece os objetos, ela é somente um ato de atenção; nota a presença de um objeto. Quando os olhos entram em contato com uma cor, o azul, por exemplo, a consciência visual apenas notou uma determinada cor; ela não reconhece que é exatamente o azul; pela percepção, isto é, pelo tipo e característica é que será possível reconhecer que a cor é o azul.
O termo "consciência visual" denota a mesma idéia expressa na palavra "visão". "Ver" não significa "reconhecer". Pode-se fazer a mesma observação para as demais formas de consciência.
Por exemplo:

CONSCIÊNCIA MENTAL: a tudo o que ocorre na mente e não está diretamente ligado aos sentidos, naquele momento, chamamos cons­ciência da mente (é a representação). Todos os pensamentos ou lembranças por imagens, por palavras, são, consciência da mente. É a própria mente trabalhando independentemente. À lembrança de um determinado objeto visual, de uma melodia, de um odor, de um sabor, de uma sensação tátil, ocorre imediatamente a consciência respectiva. Isto tudo ocorre por­que houve uma experiência anterior. Ouvindo uma determinada melo­dia, esta melodia fica gravada na nossa mente; mais tarde podemos recordá-Ia, reapresentá-la, e ouvi-Ia mentalmente, isto é, vem à consciência aquela melodia já conhecida.

Cada sentido é separado do outro; um nunca interfere no campo do outro; não se pode ouvir com os olhos, ver com os ouvidos. Cada órgão tem um campo específico de atividade. Quanto à mente, ela participa de todos os sentidos; pode ver, ouvir, sentir odores ou sa­bores e ter sua própria função.

Tudo o que nós experimentamos pelas portas dos sentidos fica gravado em nosso consciente, no subconsciente e no inconsciente, arquivos da memória, e vem constantemente à tona de uma maneira incontrolável. Quando tal acontece, imediatamente temos consciência daquilo que está ocor­rendo. A base externa, os objetos da mente estão em nós próprios. Sidarta chamou base externa, porque ela vem totalmente de fora, mas fica no arquivo da memória; assim, novamente, os mesmos sons retornam à mente.

Quando ocorre contato entre a base interna, o olho, por exemplo, e o mundo material visível, vem à existência o elemento imaterial, isto é, a visão; da mesma forma para com os outros sentidos. Desta maneira, a mente é sempre condicionada pelo corpo; há sempre uma interação corpo-mente, mente-corpo. Então, existem a base interna e a correspondente base externa; dependendo do contato, vêm à exis­tência imediatamente as sensações, percepções, formações mentais e consciência. Esses elementos imateriais são chamados mente; são inse­paráveis, surgem e passam ao mesmo tempo. Assim, as seis bases internas e as seis bases externas sempre condicionam um tipo cor­respondente de consciência. Desta maneira, temos a consciência visual, auditiva, olfativa, gustativa, do corpo, na qual a tátil está incluída, e a consciência mental, ou da mente propriamente dita.

Em relação à mente, para que se possa ver, ouvir, falar ou refletir mentalmente, isto se dá devido às experiências anteriores com o mundo exterior, que é a base externa. Desta forma, do mundo exterior veio tudo para dentro de nós; por isso é que os objetos da mente são considerados base externa. Parece existir algo internamente eterno em nós, que fala, que pensa, mas esta faculdade de falar e pensar, pela atividade verbal da mente, é puramente condicionada por uma sociedade, por uma cultura.                               

Resumindo, os objetos da mente são todas as coisas experimen­tadas, apreendidas e condicionadas pelos nossos sentidos; estão no arquivo da memória e, quando há contato, surge a consciência cor­respondente. O contato aqui é sutil, mas sempre ocorre. Assim, quan­do vem à tona um pensamento, por imagem, essa imagem mental seria um objeto da mente, mas imediatamente há o contato com o elemento mental seguinte e, logo que há contato, vem à existência a consciência correspondente.
Sidarta declarou em termos claros que a consciência, ou conhe­cimento, depende da matéria, da sensação, da percepção e das for­mações, e que ela não pode existir independentemente destas con­dições. Ele disse: - "A consciência tem a matéria por meio, a matéria por objeto e a matéria por suporte; e, encontrando apego (satisfação) nesta matéria, ela pode crescer e se desenvolver. A cons­ciência também existe tendo a sensação como meio... a percepção como meio... e as formações também como meio, por objeto e por suporte e, encontrando apego nestas formações mentais, ela pode crescer e se desenvolver. Se alguém disser que o surgimento, o crescimento, o desenvolvimento e o desaparecimento da consciência são indepen­dentes da matéria, da sensação, da percepção e das formações, esse indivíduo falará de algo inexistente."

Os cinco agregados são inseparáveis

Uma das coisas mais importantes que Sidarta conseguiu foi com­preender, discriminar e explicar os elementos imateriais da consciência, isto é, a sensação, a percepção, as formações mentais e a consciência, porque eles são inseparáveis; é impossível compreendê-Ias separada­mente.

Sidarta na sua penetração interior, na sua sabedoria, penetrou esse mundo interno e compreendeu cada um dos agregados; eles nunca se apresentam de maneira separada (apesar de os textos usarem certa ordem, não significa que um venha primeiro do que o outro). Quando se dá o contato, sempre que existe a sensação, existe a percepção; tudo o que sentimos, percebemos; e para tudo o que sentimos e percebemos, existe a formação que os forma e de tudo isto estamos conscientes; desta maneira, estes elementos estão sempre presentes ao mesmo tempo. Sentindo uma dor numa região qualquer, há uma sen­sação porque o aspecto da sensação é predominante, mas ao mesmo tempo é consciência, porque há conhecimento do fato; se não esti­véssemos conscientes da sensação, não teríamos qualquer sensação; ao mesmo tempo é percepção, porque há percepção do tipo ou da característica daquela dor, que pode se apresentar sob diversas formas: agulhadas, queimadura etc. Desta forma, não é necessário definir o que é sensação, percepção e consciência.

Os dezoito elementos psicofísicos

Os dezoito elementos psicofísicos são constituídos pelas seis bases internas - olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente; pelas seis externas - formas visíveis, sons, odores, sabores, objetos tangíveis, objetos da mente, e pelos seis tipos de consciência: consciência visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil ou do corpo, e mental.

Este nosso ser, este nosso suposto eu, são dezoito elementos psicofísicos que se entrosam e atuam de uma maneira ininterrupta. Assim, cada vez que ouvimos qualquer coisa, opera-se um fenômeno que é condicionado pela base interna, pela base externa, e aquele momento de consciência é composto de sensação, percepção, formação e consciência.

Desta forma, os Cinco Agregados (matéria, sensações, percepções, formações mentais e consciência) que chamamos um "ser", um "indi­víduo", ou "eu", são apenas um rótulo que damos a esta combinação, que é impermanente e em constante mudança. O EU é um composto instável em contínuo movimento, que a todo momento se modifica; o EU dura o tempo exato de uma combinação de elementos do plano psicofísico, pois, no instante seguinte, outra será a combinação existente. Por mais que analisemos o EU, sob qualquer aspecto que possamos considerá-Io, sempre vamos encontrar a impermanência, e em nenhuma parte um lugar para qualquer coisa permanente.

Deste modo A não é igual a A nunca, mas apenas um fluxo de surgir e desaparecer sucessivos e instantâneos. Como disse Sidarta a Rathapala: "O mundo é um fluxo contínuo e impermanente. É como um rio de montanha que vai longe e corre rápido, ininterruptamente, levando consigo tudo o que encontra pelo caminho, não deixando um momento, um instante, de correr. Assim também, ó brâmane, a vida humana assemelha-se a esse rio; é contínua e impermanente."

Heráclito (cerca de 500 aC) na sua doutrina, segundo a qual tudo está em um perpétuo estado de mudanças ou transformações, disse: "Nunca podeis descer duas vezes no mesmo rio, pois novas águas escoarão sobre vós."

O que chamamos indivíduo, eu, ou coisa, em suma, nada mais é que certo aspecto da corrente de causa e efeito que com nossos sen­tidos percebemos, em dado momento do tempo.
Quando uma coisa desaparece, condiciona o surgimento da se­guinte em uma série de causas e efeitos contínuos, de onde se vê que não existe substância permanente. Não há nada por detrás desta corrente que possa ser considerado como um "eu" permanente, uma individualidade; não há nada que possa ser chamado realmente "eu". Porém, quando os cinco agregados físicos e mentais, que são interde­pendentes, trabalham em conjunto, surge em nós uma formação mental, que dá a falsa idéia de um "eu". Não há outro "ser", ou "eu", por trás dos cinco agregados que constituem um ser. Buddhaghosa disse: "Só o sofrimento existe, porém não se encontra nenhum sofredor."

É fundamental compreender que os Cinco Agregados da existência surgem e passam ao mesmo tempo. Quando há o contato entre a base interna e a base externa, não é que surge a sensação primeiro, depois a percepção, depois a consciência - elas surgem e passam ao mesmo tempo. Tudo aquilo que sentimos, ao mesmo tempo percebemos e ao mesmo tempo estamos conscientes de tudo aquilo que nós sentimos e percebemos.

Refletindo, observamos que os fenômenos psicofísicos são imper­manentes, pois tudo, por mais longa que seja a duração neste Universo, terá um fim. Desta forma, sobre a existência, o drama da vida, o drama de sangue, de suor, de lágrimas, da vitória do mais apto etc., concluí­mos, verdadeiramente, esta existência é insatisfatória. De acordo com a Realidade e a verdadeira Sabedoria é impossível haver controle sobre os Cinco Agregados da existência; então vemos que não somos donos desse nosso corpo, das nossas sensações, percepções, volições e cons­ciência. Se o que temos de mais pessoal, mais íntimo, não nos per­tence, então muito menos as coisas exteriores. Desta maneira, che­gamos à conclusão de que existe um vir-a-ser, um fluxo de fenômenos; não há verdadeiramente um dono, o que nos demonstra a impessoali­dade de todos os fenômenos psicofísicos e, portanto, do eu. Quando compreendemos isto, o apego, que é a causa fundamental do sofrimento, vai-se tornando cada vez mais fraco.

Texto de Adalberto Tripicchio



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