Pesquisa

domingo, 9 de fevereiro de 2014

A Grande Cessação e Contemplação (T'ien-t'ai Chih-i) traduzido para o português [Introdução - Parte 2]

por Marcelo Prati (Renji)

Cometi um engano de fazer uma postagem muito longa para a primeira parte, O Makashikan é um texto denso e cansativo. Com muita satisfação terminei de traduzir a introdução que tenho disponível, mas vou dividi-la em pequenas partes para facilitar a vossa leitura.

Quem não leu a primeira parte, sugiro que tome um bom fôlego e separe uns dias pra leitura. Imagino que postagens menores serão de "digestão" mais fácil. O texto tem algumas interrogações espalhadas, é onde deveriam estar alguns termos em chinês clássico que achei que seria perda de tempo transcrever todos. Mas fica como projeto futuro. De qualquer forma, creio que as pessoas aproveitarão mais do texto traduzido do que da presença de ideogramas antigos. Reitero também que provavelmente encontrarei erros no texto, que vou corrigindo aos poucos e atualizando a postagem.

Espero que aproveitem, leiam, repassem, espalhem. Um abraço e boa leitura.


Para a primeira parte clique AQUI.

Os três tipos de Cessação-e-Contemplação [1c1-3b10]
T’ien-t’ai [Chih-i] transmitiu os três tipos de cessação-e-contemplação ???? de [seu mestre] Nuan-yüe [Hui-ssu]:[1] gradual-e-sucessivo [ou progressivo] ??, variável [ou indeterminado] ??, e perfeito-e-repentino [ou imediato] ??.[2] Todos eles são do Mahayana, todos eles tomam os verdadeiros aspectos [da realidade][3] como meta e são assim chamados de “cessação-e-contemplação.”
O [método] gradual-e-sucessivo envolve começar com o superficial e mais tarde [avançar para] o profundo, como subir uma escada.[4] O [método] variável envolve alternar entre [os estágios, dependendo da necessidade,] iniciais e avançados, como um diamante disposto sob a luz do sol [reflete diferentes cores dependendo da posição].[5] O [método] perfeito-e-repentino envolve a não-dualidade do [estágio] inicial e avançado, como um mago flutua no espaço ?.[6]
Assim como há três tipos de faculdades [entre os seres humanos],[7] três métodos são usados para ensinar usando três analogias. Aqui termina a explicação breve; agora eu explicarei mais detalhadamente.

1.              Cessação-e-Contemplação Gradual-e-Sucessiva [1c6]
[Primeiro,] o [método de cessação-e-contemplação] gradual. Mesmo no início, há uma [certa necessidade de] compreensão dos verdadeiros aspectos [da realidade], mas como os verdadeiros aspectos [da realidade] são difíceis de entender,[8] a prática é facilitada pela gradual progressão.
1.       Primeiro, a pessoa cultiva [o fortalecimento moral por] tomar refúgio nos preceitos ??,[9] dando as costas aos vícios e encarando o que é correto, cessando [as atividades dos] seres infernais, animais e espíritos famintos ???,[10] e atingindo os três bons caminhos [dos asuras, humanos e deuses],[11]
2.       Em seguida, a pessoa cultiva a concentração meditativa ?? (dhyana), parando os desejos e distrações [que impedem a mente] como uma rede e atingindo os estados concentrados [dos reinos] da forma e não-forma ???[12] [onde todas as aflições das paixões são suprimidas].
3.       Depois, a pessoa cultiva [os estados meditativos onde está] o fim do fluxo ?? [das paixões, anasrava],[13] cessando seu aprisionamento no mundo tríplice [do desejo, forma e não-forma] e atingindo o caminho para o nirvana.[14]
4.       Em seguida, a pessoa cultiva bondade e compaixão ?? (maitri-karuna), impedindo [conscientemente de buscar] sua própria iluminação e assim atingindo o caminho do bodhisattva.[15]
5.       Finalmente a pessoa cultiva [a compreensão dos] verdadeiros aspectos [da realidade], pondo um fim a ambos extremos ?? e [atitudes] dualistas,[16] e atingindo o caminho de estabilidade duradoura [no perfeito estado de Buda].[17]
Tal método de começar com o superficial no início e mais tarde avançar para o profundo, que é característico do [método de prática] gradual-e-sucessivo da cessação-e-contemplação.



[1] Assim como Sekiguchi destaca, não há texto onde Hui-ssu use o termo chih-kuan (veja Tendai shikan no kenkyu, pp. 66-67). Mesmo que Chih-i tenha preferido o termo ch’an para se referir à prática budista como um todo em seus trabalho iniciais e só tenha usado o termo chih-kuan em seus últimos anos, talvez porque chih-kuan seja mais indicativo do equilíbrio entre ensino e prática do que apenas ch’an. De qualquer modo, parece que o esquema T’ien-t’ai de chih-kuan, e especialmente esses três métodos, originaram-se de Chih-i. Chih-i certamente os construiu a partir dos ensinamentos que recebeu de Hui-ssu, mas ao menos a maior parte da sua formulação pode se creditada à genialidade de Chih-i.
[2] Como Kuan-ting explica abaixo em mais detalhes, existem três formas de se praticar a cessação-e-contemplação:
1.       O método gradual, que envolve avançar lentamente do superficial ao profundo atingimento;
2.       O método variável ou indeterminado, o tipo de prática a ser determinada de acordo com o tempo e lugar e o tipo de pessoa que pratica; e
3.       O método perfeito-e-repentino, que envolve um insight direto e imediato para dentro da realidade.
[3] ?? (ch. shih-hsiang, jap. jisso): os verdadeiros aspectos, reais características ou marcas reais da realidade.
[4] Essa imagem pertence ao Mahaparinirvana Sutra, T 12.651a3-5:
Isso é como o corpo humano, onde a cabeça fica no topo e não os outros membros, mãos, pernas e assim em diante. O Buda também é assim. Ele é o mais respeitado – não o Dharma e a Sangha. Desejando salvar todos os seres humanos do mundo, ele se manifesta de várias formas e com aparências distintas, como alguém que sobe uma escada.
[5] Essa imagem é novamente do Mahaparinirvana Sutra, T 12.754a21-24:
Por que razão isso é chamado de Samadhi do Vajra (de diamante) ???? ? Bons filhos, isso é análogo à cor que se torna variável quando o diamante é posicionado sob a luz do sol. O Samadhi do Vajra é também assim. A aparência (“cor”) [daqueles em samadhi] é variável entre as pessoas [ou seja, eles se aparentam diferentemente para diferentes pessoas, dependendo da capacidade de percepção de cada um e dos propósitos da pessoa em samadhi de se expressar com o objetivo de ajudar os outros]. Por essa razão é chamado de “Samadhi do Vajra.”
[6] Os comentários não oferecem uma fonte escritural para essa imagem, mas Chan-jan (BT-1, pp. 78-79) explica que para um mago que flutua no ar, o espaço próximo da terra ou os altos céus são o mesmo; tudo o mesmo espaço “vazio.” Aquele que pratica o método perfeito-e-repentino é como o mago que percebe que não há diferenciação entre os assim chamados níveis superiores e inferiores de atingimento. Um insight direto dentro da realidade-como-ela-é transcende tais distinções. Note que o caractere chinês para “espaço” (kung) é o mesmo usado para “vazio.”
[7] Que é, inferior, intermediário e superior; veja o comentário na parte 18 do Tratado do Meio (T 30.25a23-27):
Existem três tipos de seres sencientes; superiores, intermediários e inferiores 上中下. Os superiores contemplam as coisas [lit. “marcas dos dharmas”] nem como reais e nem como não-reais. Os intermediários contemplam as coisas como completamente reais e completamente não reais. Os inferiores são aqueles de sabedoria superficial, então eles contemplam as coisas como um pouco reais e um pouco não-reais. Contemplam o nirvana como real, pois é incondicionado e indestrutível. Contemplam o samsara como irreal porque é condicionado, vazio e falso.
Veja também o verso 19:4 e comentário em T 30.26a12-20.
[8] Veja Sutra do Lótus T. 9.5c11. Hurvitz (Lotus Sutra, pp. 22-23) traduz:
Sobre os dharmas principais, raros, difíceis de se compreender, que o Buda aperfeiçoou, apenas um Buda e um Buda pode esgotar sua realidade, a essência dos dharmas, a essência das marcas, a essência de sua natureza, [e assim em diante].
[9] Isso provavelmente incluiria o compromisso mais amplo o refúgio tríplice – tomar refúgio no Buda, Dharma e Sangha – assim como manter pelo menos os cinco preceitos: abster-se de tirar a vida, de tomar o que não foi dado, de conduta sexual ilícita, fala enganosa e de intoxicantes que possam entorpecer a mente. Num sentido mais estrito de manter os preceitos budistas, os preceitos que Chih-i normalmente se refere são aqueles que estão no Vinaya em Quatro Partes (Ssu fen lü ???, T 22, No. 1428), na tradução chinesa da tradição Dharmaguptaka. Essa tradição requer que se mantenha os 250 preceitos para os monges e 348 para as monjas. Para detalhes sobre os preceitos veja Charles S. Prebish, Buddhist Monastic Discipline, The Pennsylvania State University Press, 1975; veja também Mohan Wijayaratna, Buddhist Monastic Life, Cambridge University Press, 1990.
[10] Lit. o “fogo, sangue e a espada,” que se referem aos três destinos, inferno, bestas e espíritos famintos (preta). “Fogo” se refere aos desejos ardentes do inferno, “sangue” se refere aos modos sanguinolentos dos animais e a “espada” a uma imagem da sede insaciável e fome dos fantasmas famintos, cujo apetite nunca é satisfeito. Essas três formas de existência se posicionam em contraste com as três positivas e boas formas que seguem.
[11] A prática de bons feitos resultará no nascimento, ou experiência nos destinos mais positivos como o reino humano ou os divinos. Além disso, diferente dos três modos maléficos ou destinos do inferno, animais e fantasmas famintos, as atividades dos modos positivos podem produzir bom karma e guiar ao renascimento como um ser humano e talvez ao atingir dos mais altos níveis de iluminação como de um bodhisattva ou até mesmo de um Buda. Assim, o primeiro passo a ser tomado para que uma pessoa se aproxime do caminho budista é aperfeiçoar a própria conduta moral básica.
[12] Tais termos se referem à classificação budista do mundo, ou nosso estado mental de delusão, dentro de três reinos de desejo (kamadhatu), forma ? (rupadhatu) e ausência de forma ?? (arupadhatu). O reino do desejo é nossa experiência comum na qual somos constantemente sujeitos aos desejos de todo o tipo. Incluído nesse reino estão os seis destinos do inferno até os deuses. O reino da forma é um mais puro estado mental além do desejo e inclui os assim chamados quatro céus de dhyana. O reino da não-forma é um ainda mais puro estado mental além de toda forma e desejo, experienciado apenas no mais alto estado de concentração. Veja “mundo tríplice” ?? no Glossary.
[13] Esse caminho de meditação consiste em oito tipos de dhyana e é descrito detalhadamente por Chih-i em seu Tz’u-ti ch’an-men, T #1916.
[14] Em termos de T’ien-t’ai, este estágio representa a “entrada ou compreender o vazio a partir do insubstancial” ????, que é, avançar de habitar na comum, existência convencional rumo a compreender o vazio de todas as coisas. Tal prática corresponde à dos sravakas e pratyekabuddhas, ao Tripitaka e Ensinos Compartilhados.
[15] Em termos de T’ien-t’ai, este estágio corresponde a “entrada ou compreender o convencional a partir do vazio” ????, que é, “retornar” a uma compreensão da existência convencional baseada no entendimento do vazio; a reafirmação do mundo convencional; isso representa o movimento de “beneficiar os outros” em contraste com apenas buscar em benefício próprio, “voltar” ao mundano para ajudar os outros. Essa é a atividade altruística do bodhisattva e corresponde à dos ensinos distintos.
[16] Essas visões bilaterais extremas podem se referir aos dois extremos que são o hedonismo e o ascetismo, às visões de que o existe um eu eterno ou de que um eu não exista, ao eternalismo e ao niilismo, assim por diante.
[17] Em termos de T’ien-t’ai, este é o Caminho do Meio, a simultânea compreensão do vazio e da insubstancialidade como um todo e não como opostos extremos; a perfeição de ambos beneficiar a si próprio e aos outros. Este estágio é o do Buda e do Ensino Perfeito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário